VATICÍNIO
VATICÍNIO
Fins do século XXII. Se
o ser vivente ainda não tiver desaparecido, as pessoas passarão umas pelas
outras num apressado corrupio quase nem se apercebendo da existência do seu
semelhante. Com a face esquálida marcada por uma expressão de introvertida
ânsia e semblante doentio, dirigem-se aos seus postos de trabalho transportando
uma pequena mochila, e acondicionada no seu interior levam a bucha, que não
passa de uma comida de “plástico”, selada num saco também comestível ou
bio-degradável, pois nessa altura já pouco haverá que possa ser degradado. Os
mais pobres, esses levarão apenas uma caixinha com meia dúzia de pírulas para
diluir a larica enquanto estão a ser sugados pelo trabalho, que nessa altura
será privilégio dos afortunados, fazendo só uma “refeição” diária.
As pessoas já
farão parte não da sombra, mas de uma penumbra que o sol a todo o custo tenta
projectar através da atmosfera poluída, consequente da herança do actual
progresso e da sua ilimitada aceleração.
Indústrias de
transformação de lixo farão uma massiva publicidade à “boa” qualidade da sua
comida. Depois de transformado, tudo serve para que o ser humano não sucumba
por inanição.
Esses cães
vadios e eczematosos, cheios de pulgas e carrapatos, que vagueiam pelas ruas e
becos das nossas cidades e aldeias, vão desaparecer misteriosamente nos
estômagos de muita gente.
Serão
necessárias licenças para a caça aos ratos de esgoto, não por constituírem uma
peste, mas porque de cabidela ou grelhados na brasa, se ainda houver madeira
para queimar, serão uma iguaria para muitos famintos.
Os pedintes,
que lamentavelmente nunca deixarão de existir, farão o controlo das suas áreas
de pedinchice através de telemóveis com surround
e fotografia tridimensional, que serão oferecidos na aquisição de uma barra de
sabão.
Os homens
serão landinhos e frágeis, as mulheres fortes, peludas e com alicerces de
grandes bigodaças, que às escondidas vão rapando, mantendo sempre o perfil
bonito do seu busto, através de compostos de silicone, que mais do que hoje, será
o pão-nosso de cada dia.
As estações do
ano mal se farão sentir, o planeta visto do espaço será cinzento azulado, onde
as flores mal desabrocham; os frutos serão raquíticos e desprovidos de doçura
porque os raios solares que lhes chegam são em pequena quantidade.
Os únicos
animais que irão progredir nesse clima serão os insectos, donde o homem irá
tirar todas as proteínas necessárias à sua sobrevivência.
Não se verão
estrelas no firmamento e o reflexo da lua deixa de penetrar nas nossas
retinas.
Os seres
humanos não terão nome, serão identificados pela emanação magnética de um chip que à nascença lhes é colocado no antebraço direito, onde
está armazenado um número na sua memória. Actualmente já é quase assim. Através
da acelerada informatização do sistema financeiro, em que o número de contribuinte
é um importante factor, qualquer dia o governo saberá quantos metros de papel
higiénico são gastos não per capita
mas per ânus, podendo deste modo
sancionar os que abusam dos movimentos peristálticos intestinais, obtendo desta
forma um melhor controlo nos gastos dos cidadãos, não se coibindo castigá-los;
não poupam?! Não há futebol, fado, telenovelas, nem revistas Maria para os mais
intelectualizados.
Roupas finas,
só cobrirão o pêlo dos ricos e abastados. A plebe, comprará nos supermercados,
em promoção, como é óbvio, pacotes com roupas descartáveis fabricadas à base de
papel reciclado a imitar pano, que usa e deita fora.
Não haverá
respeito por ninguém e a lei do mais forte é a que prevalecerá. Os mentecaptos
e os inimputáveis aumentarão em proporção ao consumo de novas drogas piores do
que a heroína e a cocaína.
Muitos filhos
irão ter muitos pais, sem nunca saberem qual é o verdadeiro, - já hoje acontece
- e o mundo continua de mal a pior.
Nessa época já
deverá ser aplicada a lei da eutanásia, não por vontade própria, mas por
vontade daqueles que se querem ver livres de alguém. Haverá uma selecção não
natural, mas propositada. Só por isto, deficientes, mal-formados, incapacitados
e improdutivos, pura e simplesmente desaparecerão, com a finalidade de diminuir
os trinca-palha, porque a comida além de ser de má qualidade, é pouca e tornar-se-á
imperativo contornar a situação. Certamente que à terceira idade também será
dado um empurrãozinho. Já cumpriu a sua missão!...
Quem pensou no
Cataclismo não era tolo de todo!
António
Figueiredo e Silva
Coimbra
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