A VELHICE

 

Não corro como corria

Nem salto como saltava

Mas vejo mais do que via

E sonho mais do que sonhava.

(Agostinho da Silva)

 

A VELHICE

 


    Esta ode, criação de Agostinho da Silva, é um cântico iluminado à realidade! Uma verdade transitória que todos temos de aceitar sem impugnar. É um acontecimento temporário que, à medida que o vigor se esvai, a fantasia apropria-se de nós e medra desmesuradamente, conduzindo-nos a uma reflecção compulsiva (se soubesse o que sei hoje, muitas coisas eu teria feito de maneira diferente). Pois é!? As lições de vida que adquirimos à custa dos nossos erros ou descuidos, ficaram tão caras que nos balizaram a memoração.

Que é bom chegar a velho, não o nego. A complexidade reside em sê-lo e aceitá-lo, coisa que não é simples; porque surge toda a espécie de “achaques” que debilitam as nossas capacidades físicas e emocionais. Como se não nos bastasse o estado crítico imposto pela velhice, ainda surge uma casta d’animais” de consciência rasa, com o um apurado farejar direccionado ao flanco material; caçadores de níqueis, vigaristas pouco ou nada escrupulosos, (como todos são), “sanguessugas”, parasitas, ácaros, oportunistas e outra animalada mais manhosa, pertencente ao nosso zoo aristocrático, que  tentam aproveitar-se das características dessa debilidade para obtenção “menos lícita” em proveito próprio, com vista a um enriquecimento rápido que nunca levarão consigo.

A vitalidade, quando atinge o Solstício de Inverno, começa a murchar; as “molas” das articulações dos membros, deixam de galgar porque pasmaram; as juntas, por falta de untadura, que foi substituída por artroses, dão origem a resignados gemidos, sinal de reclamação por repouso; cabriolar foi coisa de novo, que o tempo aos poucos se encarregou de fazer desaparecer; a mouquice e a visão também não ficaram impunes à implacável erosão do temporal.

Mas nem tudo é mau!?

É prática da Natureza dar uma “recompensa” para as carências, quando não se esquece de o fazer ou o estado lastimável da cachimónia esteja tão agudizado, que não tenha capacidade para receber essa Divina dádiva. Aqui não há nada a fazer a não ser esperar sentado ou acamado, em silêncio absoluto, a “dormitar” ou de boca aberta, covil de moscas outros insectos voadores, a olhar para um ponto imaginário situado no infinito, à espera do embarque para esse lugar distante.

No entanto, se o tino estiver afinado, estamos aptos a receber a dita recompensa, com a “ampliação” das lentes da sensibilidade, da intuição e do saber, que são o conjunto de virtudes que a Natureza refinou ao longo do tempo para nos oferecer, quando se apercebe de que elas já quase não nos fazem falta. É certo passamos a ver a uma distância maior e com mais amplitude, mas de pouco ou nada nos vai servir, porque já não temos forças para agarrar o passado situado no infindável horizonte; ele escorrega-nos das mãos trémulas e mal agasalhadas por uma pele encarquilhada; os tolos não aceitam nem acreditam nas nossas lições e presságios. Como os tolos não gostam, e até depreciam as lecçionações idosas, a melhor lição a dar-lhes é deixar que o “barrote” lhes caia a riba do capacete, para chocalhar-lhes os miolos e avivar-lhes o tino.

Depois, enquanto eles arranham a moleirinha, polida ou cabeluda, piolhosa ou sebenta, nós, embalados por uma letargia indescritível, sonhamos, como porcos no verão à sombra da azinheira. Idealizamos muito mais do que realmente sonhávamos há muitos anos volvidos, porque nessa altura não tínhamos tempo para isso; era comido pelo trabalho e pela preocupação; agora temos tempo para tudo, até que o revisor apareça – mas já não vale a pena lacrimejar sobre o leite derramando.

É verdade que Deus é pródigo ao escancarar as portas de intuição e do saber à velhice; mas o certo é que não evita que iremos findar com a sabedoria extorquida. Paradoxal, não é?!

Quer concordemos quer não, esta é a verdade Universal da Vida, com a qual temos de compactuar, mesmo que melancolia se nos atravesse na fronte. Não temos outro remédio senão seguir em frente – para baixo. 

Por isso, àqueles que o podem receber, dou este conselho: gozem (os mais “sortudos”), os bons momentos enquanto podem, que depois ainda terão tempo de sobra para se debaterem com os maus instantes; porque eles, pela sorrelfa, surgem espontaneamente e em matilha, para vos dar cabo do canastro e da paciência que ainda vos possa restar.

Saibam envelhecer com contentamento e resignação, mesmo que estes atributos sejam aparentes, mas… tomem atenção a este mas: quando na célere passagem pela vossa juventude, honrem e enalteçam a velhice; se tiverdes sorte, ela será a última manta de retalhos que amanhã vos irá "agasalhar".

Agostinho da Silva tinha razão.

 

António Figueiredo e Silva

Coimbra, 26/05/2022

 

http://antoniofsilva.blogspot.com/

 

Nota:

Faço por não usar o AO90

 

 

 

 

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