A VELHICE
Não
corro como corria
Nem salto como saltava
Mas vejo mais do que via
E sonho mais do que sonhava.
(Agostinho da Silva)
A VELHICE
Que
é bom chegar a velho, não o nego. A complexidade reside em sê-lo e aceitá-lo, coisa
que não é simples; porque surge toda a espécie de “achaques” que debilitam as
nossas capacidades físicas e emocionais. Como se não nos bastasse o estado
crítico imposto pela velhice, ainda surge uma casta d’animais” de consciência
rasa, com o um apurado farejar direccionado ao flanco material; caçadores de
níqueis, vigaristas pouco ou nada escrupulosos, (como todos são),
“sanguessugas”, parasitas, ácaros, oportunistas e outra animalada mais manhosa,
pertencente ao nosso zoo aristocrático, que tentam aproveitar-se das características dessa
debilidade para obtenção “menos lícita” em proveito próprio, com vista a um
enriquecimento rápido que nunca levarão consigo.
A
vitalidade, quando atinge o Solstício de Inverno, começa a murchar; as “molas”
das articulações dos membros, deixam de galgar porque pasmaram; as juntas,
por falta de untadura, que foi substituída por artroses, dão origem a resignados
gemidos, sinal de reclamação por repouso; cabriolar foi coisa de novo, que o
tempo aos poucos se encarregou de fazer desaparecer; a mouquice e a visão
também não ficaram impunes à implacável erosão do temporal.
Mas
nem tudo é mau!?
É
prática da Natureza dar uma “recompensa” para as carências, quando não
se esquece de o fazer ou o estado lastimável da cachimónia esteja tão
agudizado, que não tenha capacidade para receber essa Divina dádiva. Aqui não
há nada a fazer a não ser esperar sentado ou acamado, em silêncio absoluto, a
“dormitar” ou de boca aberta, covil de moscas outros insectos voadores, a olhar
para um ponto imaginário situado no infinito, à espera do embarque para
esse lugar distante.
No
entanto, se o tino estiver afinado, estamos aptos a receber a dita recompensa,
com a “ampliação” das lentes da sensibilidade, da intuição e do saber, que são
o conjunto de virtudes que a Natureza refinou ao longo do tempo para nos
oferecer, quando se apercebe de que elas já quase não nos fazem falta. É certo
passamos a ver a uma distância maior e com mais amplitude, mas de pouco ou nada
nos vai servir, porque já não temos forças para agarrar o passado situado no infindável
horizonte; ele escorrega-nos das mãos trémulas e mal agasalhadas por uma pele encarquilhada;
os tolos não aceitam nem acreditam nas nossas lições e presságios. Como os
tolos não gostam, e até depreciam as lecçionações idosas, a melhor lição a
dar-lhes é deixar que o “barrote” lhes caia a riba do capacete,
para chocalhar-lhes os miolos e avivar-lhes o tino.
Depois,
enquanto eles arranham a moleirinha, polida ou cabeluda, piolhosa ou sebenta,
nós, embalados por uma letargia indescritível, sonhamos, como porcos no verão à
sombra da azinheira. Idealizamos muito mais do que realmente sonhávamos há
muitos anos volvidos, porque nessa altura não tínhamos tempo para isso; era
comido pelo trabalho e pela preocupação; agora temos tempo para tudo, até que o
revisor apareça – mas já não vale a pena lacrimejar sobre o leite derramando.
É
verdade que Deus é pródigo ao escancarar as portas de intuição e do saber à
velhice; mas o certo é que não evita que iremos findar com a sabedoria extorquida.
Paradoxal, não é?!
Quer
concordemos quer não, esta é a verdade Universal da Vida, com a qual temos de
compactuar, mesmo que melancolia se nos atravesse na fronte. Não temos outro
remédio senão seguir em frente – para baixo.
Por
isso, àqueles que o podem receber, dou este conselho: gozem (os mais
“sortudos”), os bons momentos enquanto podem, que depois ainda terão tempo de
sobra para se debaterem com os maus instantes; porque eles, pela sorrelfa,
surgem espontaneamente e em matilha, para vos dar cabo do canastro e da
paciência que ainda vos possa restar.
Saibam
envelhecer com contentamento e resignação, mesmo que estes atributos sejam
aparentes, mas… tomem atenção a este mas:
quando na célere passagem pela vossa juventude, honrem e enalteçam a velhice;
se tiverdes sorte, ela será a última manta de retalhos que amanhã vos irá "agasalhar".
Agostinho
da Silva tinha razão.
António
Figueiredo e Silva
Coimbra,
26/05/2022
http://antoniofsilva.blogspot.com/
Nota:
Faço por não usar o AO90
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