O LADRÃO
"Basta, senhor, que eu, porque roubo
em uma barca,
sou ladrão, e vós, porque roubais em uma
armada,
sois imperador?
Assim é.
O roubar pouco é culpa, o roubar muito é
grandeza;
o
roubar com pouco poder faz os piratas,
o roubar com muito, os Alexandres."
(Padre António Vieira, in ‘Sermão do Bom
Ladrão)
O LADRÃO
Os preceitos dos outros países, não me dizem
respeito; o que me preocupa são os formulados no meu. É neste que eu vivo,
convivo, trabalho, descanso, venço ou tenho dificuldades. É neste que eu
refilo, - por enquanto – choro as minhas tristezas ou liberto as minhas
alegrias. Apreciaria não ter do o dizer, porém, não vou deixar que esta mágoa
subsista dentro de mim, abafada pelo abrigo da cobardia, que é o suporte dos
fracos.
À
primeira vista, dá a impressão de que o excerto do sermão do Padre António
Vieira não alberga fundamentos que permitam conceder-lhe um profundo
pensamento doutrinal, com contornos “revolucionários”. Mas encerra-o. Porque
demonstra uma realidade que sempre andou fora das rédeas da moralidade, a
alcova onde são cozinhadas as leis, que não defendem os mais miseráveis, ou
ladrões de meia-tigela, mas protegem os tais Alexandres, “Sócrates”,
“Pinhos”, “Rendeiros”, “Ricardos”, “Loureiros”, e outros espécimes da poderosa cáfila
capitalista, peritos em fraudulência e roubo, excessivamente nocivos à
comunidade onde estiverem encaixados.
Repare-se
na fasquia da população prisional, - não discordo da sua estadia carcerária imposta
-, se lá está, certamente é porque disso foi merecedora. Lá pode encontrar-se as
mais diversas classes, excepto figuras com poder e pecuniariamente abastadas. Estas,
quando lhes toca na “bitola” um juiz mais ousado e despretensioso, mesmo que
apanhem pela medida-grossa, usufruem de um local assegurado, por uns tempos não
muito longos, num “Hotel Prisional”. Enquanto isso não sucede, aprontam-se a
fazer uns batidos com componentes pecuniários e aldrabices bem artificiosas
concebidas por peritos na matéria, para obterem uma mousse de
consistência enganadora, com a intenção de travarem a aceleração processual, para
que no fim, nada os possa incriminar – águas-de-bacalhau.
Mas
se alguma ripada acontecer, nunca chegam a saldar a “obrigação” na
integralidade que lhe é devida. E assim conseguem contornar a aplicação das
sanções que justamente lhes deveriam ser aplicadas – e com juros de mora.
Com grande infalibilidade, isto acontece muito,
quando o poder e o dinheiro injectam ataques de amnésia no espírito da lei, que
lhe afasta a responsabilidade pelas suas sentenças adversas. Porque a lei em
si, não é ignorante, não padece de cegueira nem de tendenciosidade; são
moléstias nela instaladas, por juízos manipulados por interesses próprios, onde
uma ambição descomunal se faz sentir.
Já
naquele tempo, o padre António Vieira via muito longe! Ele sabia o que
dizer e a quem queria abalroar. A sua preferência, neste Sermão, era realmente
atacar os ladrões possuídos de avidez sem limites, que paralelamente, são
mentirosos por natureza e são piores do que os maiores ladrões; porque,
enquanto os maiores ladrões se deliciam a esbulhar-nos as aspirações os piores
ladrões roubam-nos o dinheiro - é compreensível que, juntamente com
este, podem falecer as aspirações.
Nada
mais preciso de acrescentar, para dizer que em Portugal vale apena ser LADRÃO.
Conquanto que faça parte de numa camada social “alta”, tem “licença” para
roubar à vontade. O roubo, chamado de crime-de-colarinho-branco,
compensa – e de que maneira!?
Contudo,
o LADRÃO nunca deixará de ser considerado como LADRÃO, mesmo que
por incorrecção da “balança” a lei o não condene ou que ele merque a sua honradez.
É um estigma que jamais desaparecerá. É idêntico à virgindade; uma vez perdida,
nunca mais será recuperada.
Disto,
o LADRÃO (bom, mau, melhor ou pior), PODE FICAR CIENTE.
António
Figueiredo e Silva
Coimbra,
15/04/2022
http://antoniofsilva.blogspot.com/
Nota:
Faço por não usar o AO90
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