TRADIÇÃO ASININA (Jogos Olímpicos em Loureiro)
“Mudam-se os tempos,
mudam-se as vontades”.
(Ditado)
Mudaram-se
os tempos e a burricada
transformou-se em aristocracia.
(A. Figueiredo e Silva)
TRADIÇÃO
ASININA
(Jogos
Olímpicos em Loureiro)
Qualquer coisa
por mais caricata e estúpida que fosse, servia para as “pessoas” mostrarem o
lodo amarelo esverdeado dos dentes, - quem os tinha -, desde nascença por
remover.
Uma dessas
parvoíces eram as corridas de burro que, com o saltar um raquítico rego de água,
provavam a sua destreza e força muscular, potenciadas pelas vergastadas dos
seus “cavaleiros,” já podres de bêbedos, de que se serviam para “coçar” o lombo
enfezado pela fartura de fome; pois nesse tempo até de palha havia falta.
Enfim, “burros” que faziam do desgraçado do burro o bombo da festa. Já lá vão
há volta de setenta anos, mas estas idiotices ainda mareiam na minha memória.
Estas corridas
eram feitas anualmente na segunda-feira de Páscoa, na minha terra, Loureiro,
num lugar chamado Alumieira, cujo nome ainda hoje se mantém. Ainda hoje, quando
por lá passo, ao recordar os velhos tempos, até dá a impressão de que naquele
local ainda paira no ar um fétido odor a burranjeiro,
(nome dado ás fezes de burro na
minha terra).
O objectivo
deste “divertimento”, não mais era do que uma feira; era proceder à transação de
animais, cavalares, muares e asininos. Para tal, tornava-se imprescindível que
houvesse uma prova da sua robustez e velocidade; daí resultou o tradicional
saltar do rego, que hoje caiu em desuso, mas no meu tempo essa moléstia foi
transmitida às pessoas, principalmente às raparigas em idade febril, que faziam
como os burros e gostavam de o saltar; claro está, sem taleiga, pois isso
constituiria um atentado à moral pública e uma mácula ao bom-nome da família.
Era evidente,
que, se alguma mais nervosa borrava o calçado domingueiro nas bordas do rego,
ou caía nele por causa das saias travadas ou dos pés que sentiam a estranheza
dos tamancos ou dos sapatos, usados em dias de festa, ou para calçar à entrada
da vila, - Oliveira de Azeméis -, era um pagode! Um mar de satisfação gozadora
para a rapaziada, ainda em medrança.
A maior parte
dos burros, para juntar a alguns já existentes na minha terra, eram trazidos
por aqueles a quem depreciativamente chamávamos de marinhões – zona de Pardilhó -, talvez porque nessa área tivesse
havido, em tempos idos, bastantes marinhas de arroz. Emborrachavam-se e faziam
mais a festa os “burros” dos montadores do que os burros que eles montavam e
sadicamente castigavam.
Quando calhava
a aparecer um burro mais corajoso, porque inteligentes todos eles são, e por
saturação de porrada, fazia a aplicação da travagem às quatro patas, o “burro”
de cima saía pelo pescoço do burro de baixo, como uma enguia lodosa escorregando
das mãos, indo estatelar-se no panasco (relva bravia). Era bonito, atão num
era?! Depois o animal pagava as passas-do-Algarve.
Agora com a
implementação dos “Jogos Olímpicos” de
Loureiro, como há muito tempo li num periódico “local”, lá foi focado o
desgraçado do burro como o grande atleta no salto do rêgo, que nunca teve nada
a ver com qualquer jogo, mas sim com uma tradição, por sinal eivada de um certo
sadismo, que às vezes nem é bom lembrar.
Quero aqui
alegar, para que não subsistam confusões ou interpretações divergentes, que
hoje, como é evidente, já não se faz aos burros o que se fazia antigamente, até
porque estes animais, usando em pleno o gozo da sua protecção, já atingiram um
estatuto social bastante elevado, como se tem vindo a constatar, e estão bem
empoleirados na nossa sociedade; alguns, até fazem parte dos fulcros governativos.
Mas aí, a “manjedoura” é outra!? Oh, s’é!?
António
Figueiredo e Silva
Coimbra, 18/03/2022
http://antoniofsilva.blogspot.com/
Nota:
Faço por não usar o AO90
Comentários
Enviar um comentário