"TESTAMENTUM AD AETERNUM"
O que tiveres de fazer, faz em vida;
quando a morte aparecer ficas
incapacitado.
(A. Figueiredo e Silva)
“TESTAMENTUM
AD AETERNUM”
A
muitos de vós, “testamentários”, concedo o direito de não concordarem com o
trecho que vou redigir; mas não é por isso que deixarei de defender o meu
direito de escrevê-lo.
(Do
Autor)
Um
TESTAMENTO,
mais não é do que o procedimento escrito (pode ser epístola ou grafado em
cartório, pelo punho d’um tabelião), sob alguma tensão apreensiva, porém,
protocolar, no qual podem lavrar-se conjunturas inerentes à última vontade do
testamenteiro (aquele que futuramente “embarcará”), para serem cumpridas
ulteriormente à paragem integral dos batimentos do seu músculo cardíaco, com o
consequente esfriamento do seu “espigueiro”, teso e inerte, para todo o sempre.
Dispõe
do poder legar bens materiais a pessoas de boa índole ou a uns papalvos quaisquer,
e, conjuntamente, adicionar outras vontades (factíveis, como é obvio), ou
somente vontades - conquanto que deixe algum carcanhol, para que estas possam
ser satisfeitas. Se não, chapéu!
É
um documento, que, na sua origem, pode conter várias causas; filantropia, por
crença ou prodigalidade; agradecimento, por reciprocidade afectiva; retaliação,
para desobriga do seu ego ferido; por último, outras, senão as mais
“importantes” e que devem ser analisadas antes do acto; estar apanhado do juízo
ou ser burro – tantas vezes isto tem sucedido!
Reconheço
que esta prosa, é tudo palha p‘ra botar fora. Mas, como sinto ser portador de
todos os predicados a riba referidos, proponho-me hoje, a elaborar o meu, (testamento),
mesmo sem a solícita e “cuidada” presença de Oficial de Registos, a exibir com
alguma ostentação, as mangas-de-alpaca que lhe protegem a alvura da camisa.
Nomeio
a todos vós, viventes, como testamentários – ou seja, aqueles que m’herdam tudo,
e se obrigam a realizar ou fazer com que seja concretizado o meu derradeiro
desejo – se não, ireis estar à pega comigo!?
Ora
bem:
Em
pleno gozo de todas as minhas capacidades mentais, - suponho eu!? – é minha
vontade deixar o Mundo inteiro para vós, com todo o recheio que ele engloba,
não obstante a sua extraordinária, porém complexa, diversidade. Tem de tudo e
para todos os paladares, apetites e caprichos. Um grande espólio! Uma
entulheira para reciclar e aproveitar o que é bom. E mesmo assim, é provável que
de bom pouco conglutine.
Raças
“pensantes” mescladas de todas as cores, que vão desde o prêto mais ou menos
carregado, passando pelo retinto, ao branco mais avermelhado ou de coloração
leitosa e enfezado, cruzando pelo castanho mais escuro ou tonalidade de café
com leite; inclui ainda, o amarelo, mais desbotado ou abraseado, que salienta
um olhar semicerrado, mas de grande precisão e matreirice.
Nestes
elementos que vos deixo, estão entalhadas as mais distintas pluralidades de
caráter, para gosto ou desgosto de cada um de vós – ou de vós mesmos; fraco,
forte, manhoso, finório, sem índole alguma (os descaracterizados), e de
temperamento cata-vento ou cata-maré. Estes finais, são os mais perigosos – é a
camada onde se encontra encaixada a grande récua de políticos que não sabem
governar, os bandos de salteadores, oportunistas e desviadores de capitais, que,
em comunhão com os outros, auxiliam desgovernar o Mundo
–
burro nem sempre é tão burro como possa parecer.
Em
toda esta tipologia estão abrangidos: trapaceiros, vigaristas, ladrões de
bancos, proxenetas, governantes maliciosos, filhos-da-puta, filhos-da-mãe, “filhos-do-pai”,
porque ao pai lhe “apeteceu” ser mãe, (actualmente é permitido), e filhos de
ninguém, que andam p’raí ao deus-dará, a coçar o cu das calças pelas esquinas e
a olhar para o céu a ver se chove.
Quanto à intelecção: podem contar também com
espertos, loucos, manientos, asininos, “inteligentes” e benevolentes (uma
raridade), ambiciosos, desinteressados, patifes, esbanjadores, calaceiros e laboriosos.
Ah, faltavam os egocêntricos; estes marcam também a sua presença no monte de
trastes que vos lego, porém, apenas alimentam a cisma de se julgarem os
melhores exemplares à face da terra, mas não passam de uns bardamerdas
quaisquer, sem valores nutritivos para uma universalidade saudável, onde a euritmia
poderia ser um facto e não uma miragem montada na esperança.
Como
parte também integrante do legado, deixo-vos mais aqueles que, classificados
por “abóboras amorfas” onde a sanidade mental não brotou, os inventariam como
seres impensantes; assim, destituídos de emoções (uma ova!?). São os animais
“irracionais”, que fazem parte da mais incrível e variada espécie que ciranda
por esta esfera azul, que de boa vontade vos deixarei. Consolai-vos!
Enfim;
sem qualquer arrependimento, deixo-vos tudo o que neste Mundo existe, desde a
mais pequena pedra ao maior calhau, - e há muitos - do mais ínfimo fio d’água
ao mais caudaloso rio, e deste, ao maior oceano. Desde o mais retorcido
pentelho à mais entufada carapinha. Fica tudo, tudo, p’ra vós.
Lego-vos
tudo. Porém, com uma condição que congrega a minha última vontade: dêem-se como
irmãos e companheiros, e não andem às turras como carneiros ou a formar
rebanhos, como ovelhas p´ra seguirem cegamente o pastor que vos quer enganar.
Se
não o conseguirdes, continuai a vossa luta canina - como tendes vindo a fazer -
até que chegue o Dia do Juízo Final –
que toca igualmente a cada um de vós.
Lembrem-se
de que nada no Universo tem uma existência infinita, porque a entropia que o
governa, jamais o permitirá.
Por
uma questão de prudência, resolvi escrever e noticiar isto agora, porque, por
entre as neblinas de épocas passadas, sinto que o sol está a querer esconder-se
por detrás do horizonte longínquo do entardecer.
E
quando eu “levantar voo” para o desconhecido, os que tiverem a chance de me
verem – se lhes apetecer e estiverem ao alcance -, poderão confirmar que estou
esticado, mas não com fisionomia aborrecível ou lacrimejante. Farei questão de
apresentar uma cara deslavada e sem expressão, em que, até a linguagem corporal
não manifeste quaisquer resquícios de contrição – fisionomia de poker-face.
E
por agora, resta-me dizer-vos mais duas palavras para activar a vossa
meditação: fiquem bem, gozem o que vos testamentei, e, quando eu for, - não
sei quando nem para onde - esperarei lá por vós.
Prossegui
a encenar a vossa peça teatral virada ao exibicionismo e oxalá que o revisor
que vos certifica o bilhete, tarde muito a aparecer!
Não
vos apoquenteis com a minha sorte, porque, PPP/s
(Parcerias Público Privadas), por aquele sublime recanto, não me faltarão com
certeza, para me distraírem com a sua falta de honestidade.
Como disse Epicuro,
“A
morte não é nada para nós, pois, quando existimos, não existe a morte, e quando
existe a morte, não existimos mais”.
Esta é a razão porque testamentei ainda vivo.
António
Figueiredo e Silva
Coimbra,
17/02/2022
http://antoniofsilva.blogspot.com/
Obs:
Procuro não fazer
uso do AO90.
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