A BURRA DO SERAFIM
Não é o estado da burrice que nos mantém
burros;
é a estúpida mania que temos, de não admiti-la.
(Júlio Ramos da Cruz Neto)
A BURRA DO SERAFIM
Claro
que não teria nada de mal por se tratar de uma realidade, mas é sempre
aborrecido, porque a imaginação humana é tendente a uma copiosa fertilidade na personalização
da caçoada, mesmo sendo ela “aburricada”.
Trata-se
apenas de uma burra, muito bem hospedada e muito bem estimada, que ocupa um
amplo espaço na praia fluvial de Vidago; um “canteiro” idílico, propriedade do
meu também “amigo” Serafim, que toda a gente cá do burgo conhece – mais a ele, do que
à burra – pelas parelhas de vez em quando se dispõe a dar, sem olhar à altura do
sarrafo.
É
muito calma e mansinha. Um amor de jumenta.
Hoje
fui fazer-lhe uma visita e fiquei pasmado, porque encontrei junto a ela um
burrico ou burrica, novato/a, (não verifiquei os documentos), a quem ela tratava
com maternal carinho.
Há uns largos tempos eu notava nela uma certa
dolência, provavelmente devido à carência de um parceiro; porque, a não ser a do
dono e amigo, que em nada substitui a companhia de um burro, penso que mais
ninguém a visitava.
Hoje
mudei de ideias ao verificar, pela semelhança, que era cria sua – da burra;
nada de confusões.
A
luxúria deve ter-lhe abanado o interior da cachola, levando-a juntar-se a um
burro desmiolado qualquer – agora muito em voga – e ele, em aproveitamento da paixão,
esperto, atirou-se p’ra riba, fez-lhe uma cria. Posteriormente deve ter dado à
sola e foi pregar para outra freguesia, e agora a mãe que o crie – com a auxílio
do Serafim, claro.
Um
claro exemplo de irresponsabilidade paternal, que até aos burros toca!
Porém,
a esperteza e a coragem são seu maior triunfo. Sempre que alguém se avizinha, ela,
com uma calma aparentemente imperturbável, endireita bem as orelhas e olha de
lado, sem tugir nem mugir, neste caso, sem sussurrar nem zurrar, enquanto vai
trinchando um sabicho de feno, a ver com alguma curiosidade, se reconhece no “irmão”
ou no amigo que se aproxima, uma presença familiar, um se é algum vagabundo que
deseja invadir-lhe o território.
Mas
é engraçado, porque ela, no seu silêncio burrical, enquanto vai rilhando uns
rebentos de relva bravia e saracoteando o rabo para escorraçar as moscas
teimosas e impertinentes, - como algumas pessoas - diz muito, ao roçar o seu
focinho na fuça do seu descendente, em sinal de afecto e protecção, como a querer
transmitir à “intromissão”: “faz-te burro e não te armes em esperto, senão,
perco os travões e levas “cu’as” ferraduras na focinheira porque esta cria é
minha.
Eu
penso que seria essa a intenção que naquele momento borbulhava na sua mioleira;
visto que, a paciência tem limites que a burrice desconhece e a esperteza desrespeita.
Só os tolos não o sabem.
Mas
o dono sabe disso. Conhece-a e entende-a bem e à cria, que eu até ali ignorava.
Foi uma agradável surpresa para mim tê-la encontrado com uma companhia tão espirituosa.
A Burra do Serafim, mai’lo seu primogénito/a.
“Donos
e Srs. do Condado da Praia Fluvial de Vidago”, situado na margem direita do
rio Tâmega, um dos sítios mais e atraentes para o turismo, votado ao desleixo.
Valha-nos
a Burra do Serafim!
António
Figueiredo e Silva
Chaves,
17/08/2021
http://antoniofsilva.blogspot.com/
Nota:
Faço
por não usar o AO90.
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