QUANDO EU MORRER (II)
“Conhece-te a ti mesmo”.
(Platão)
Quando apontamos o dedo indicador a alguém,
temos o polegar na neutralidade, e os restantes,
a apontar para nós.
(A. Figueiredo e Silva).
QUANDO EU MORRER (II)
КОГДА Я УМРУ
WENN ICH STERBE
WHEN I DIE
(A um *amigo “desconhecido” e à sociedade
em geral)
Já sei que não vou escapar a algumas “mordidelas da nossa comunidade canina”, cuja dentição está sempre pronta para alegar que sofro da abóbora, não sou bem aferido mioleira, bati com a cabeça nas aduelas da selha quando nasci, etc., entre outros epítetos menos distintos para uma decência comunicativa interessante, com o fim de expressar e debater o contraditório, (se ele existe), daquilo que ouso pensar e faço questão de expor e defender com munhas e dentes. Unhas ainda tenho porque não sofro de onicofagia; mas, dentes, dos trinta o dois que na matraca durante muitos anos subsistiram, já só cá cantam cinco - e é um pau! Os outros comprei-os – e foram bem pagos!
O
que tenho para transmitir é simples, mas não é por isso que não deixa de não
ser um sabichinho extenso; contudo, julgo que vale a pena ser lido, meditado e
filtrado pela fina rede da compreensão existente naqueles que têm a sorte ou
virtude de a possuírem.
A
semente humana é tão ordinária e tão desdenhável, que a própria Natureza
se empanzina dela, e por isso a lhe vai dando umas impiedosas sarrafadas, sem
apelo em agravo. São dois motivos bastantes, para ninguém cá
ficar a rir-se de quem bate-a-bota. E, no momento de cisão, é que a paridade
estabelecida para tudo o que vive, é absoluta. A Lei Universal, só é na realidade
imparcial no, (não confundir com ao), nascer e no morrer, quando o comprimento
da linha que separa os dois estados, se dilacera. De resto, os princípios são
um joguete de interesses nas mãos do ser humano, onde sempre imperou a lei do
mais forte. Resume-se a um “chocalho” único que toca vários tons, consoante as
mãos a vontade e o poder do “artista”.
-
Ouviste, Pá?! Mantem-te calmo, e pensa três
vezes antes de chegar a tua vez. Lê com tino tudo que tenho para te dizer,
porque não estou a brincar. Olha que isto é carburante para o teu miolo e não
passa pelas tuas goelas. Por favor, preserva a quietude e avalia-te.
Sejas
rico ou pobre, nobre ou plebeu, prêto ou branco, vermelho ou amarelo, quando
adrega a chegar a tua vez, lá vais para os “anjinhos” - ou outro sítio qualquer-
no gozo integral da paz “eterna”, que por direito Natural te pertence e que
entendo ser teu dever usufruir desse gozo perpétuo, ainda que contrariado. Não
vale a pena ficares entediado e meditativo antes do “revisor” chegar, porque ele
não vai resolver-te nada. Ele olha para ti, apenas como um microrganismo, o que
é uma realidade, pica e tu vais.
Depois
do embarque, que os que cá ficam consideram fatídico, se és transportado num bom
ataúde, quem lucra é o cangalheiro; se és emprateleirado num imponente mausoléu
onde a passarada pousa, e com irreflectido desprezo caga, já o lucro, é do
pedreiro; mas se és enterrado numa cova funda, antes habitada por outros, é o
técnico de profundidade (coveiro) fica a lucrar - é a sua sobrevivência até
também “cair” inerte, num buraco semelhante aos que durante a vida abriu.
É
certo que poderás optar, enquanto vivinho da silva, por uma “triunfante subida
ao céu”, menos poluente, mais rápida, com reduzidos salamaleques e menor empestação
de odores nauseabundos a contaminarem esta “minúscula” partícula azulada, que, sem
destino, viaja através do Universo infindável; a cremação. É, pode ser uma
opção tua. Esta consiste numa “rojoada” preparada a temperaturas pirométricas
de tal magnitude, que ao fim de “escassos” minutos só sobra dos ossos, o calcário
- infelizmente não dá para fazer canja. Este é seguidamente triturado numa
rapidinha e fina moagem, que é presenteada já em “cinzas”, aos teus familiares,
- herdeiros ou sucessores - como lembrança mórbida de uma partida, natural ou de
funesta surpresa, disfarçadamente desejada por uns e abertamente não ambicionada
por outros - inclusivamente por ti.
Tem
paciência, mas tenho que dizer-te estas “barbaridades” reais.
Depois
de tudo, os que cá permanecem, já sabem que estão na ponta da lança, conquanto
que ficam com a possibilidade de montar a “pileca ou o cavalo” consequentes do espólio
por ti compulsivamente deixado, e também por haveres sido impedido de o levar
contigo – o implacável sistema aduaneiro da Natureza não to permitiu.
Se
são herdeiros, vendem e estoiram; gozam a vida aflautadamente à tua custa, (se
tiveres deixado “cacau” para isso), e mais tarde ou mais cedo irão ter contigo transportados
num caixão parecido com o teu, mas desta vez, pago pela comunidade; se são
sucessores, darão continuidade ao teu sucesso, e, com alguma patetice e
incontida ambição, vão dar cabo do canastro, para, com alguns achaques, como
reumático, demência ou senilidade já avançadas, irem ao teu encontro - naturalmente
já deves sentir-te esfalfado de tanto esperar, quem sabe!?
Eh,
pá… agora aguenta a burra! Vou falar p´ra mim.
P´ra “eu”, quando me apagar, dispenso arautos
a propagandear o meu arrefecimento e panfletos colados por todos os cantos e
postes, a anunciar que eu bati-a- caçolêta; não me incomodo com benzeduras ou
pingos de água no nariz, pois sei que não vou mais constipar-me; flores, seja
qual for a coloração ou o feitio, não me seduzem; bilhetinhos com “engenhosas” expressões
de pesar, (algumas), não me apoquentam nem me estimulam o carpimento – o meu sentir esvaiu-se e as glândulas lacrimais
estão enxutas.
Suponho
- isto não passa de uma conjectura –, é que estarei mortinho por zarpar o mais
rápido possível. Por isso e enquanto é
tempo, cá no meu monástico confinamento a que o CIVID-19 me constrange, mas ainda respirar fundo e com os cinco bem
aferidos, opto pela incineração.
Tu,
raciocina o que quiseres e faz o que te der na “bolha”.
António
Figueiredo e Silva
http://antoniofsilva.blogspot.com/
*O
amigo desconhecido sou eu.
Apesar
de toda a sinceridade expressa,
legitimo que não conheço bem a mim próprio.
Nota:
“Sou
burro”; não faço uso do AO90.
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