RECORDAÇÕES V
RECORDAÇÕES V
(Força Aérea Portuguesa)
A viagem até Nampula, foi um algo acidentada, devido à turbulência gerada pelas diferentes temperaturas das camadas de ar em circulação naquela área geográfica. Apesar de tudo, foi suportável. Eu era novo e meio tresloucado, e no meu sistema hidráulico sanguíneo, a adrenalina gerada, manifestava-se em grandes “borbotões” que instigavam o meu à cérebro (não sou acéfalo), à descoberta e à aventura – pobre mioleira juvenil! É dessa pobreza de espírito (porque é), que os altos medalhados se aproveitam para fazerem guerra e ganharem comendas, sem dispararem um tiro – realidades da sociedade e da vida.
Retomando o
fio à meada.
Havia também
um certo ruído provocado pelos motores, - se fosse hoje, Ministério do Ambiente
teria reprovado o avião - à mistura com o chocalhar de latas velhas, que fazia
lembrar uma Steel-Band. Todavia isto era normal. Para um militar,
qualquer rede pendurada no interior da fuselagem era um assento, qualquer
superfície em forma de penico, também o era, e qualquer estrutura em “ferro
velho” suportada por um par de asas, um estabilizador e uma deriva vertical era
uma aeronave.
A brincar ou a
sério aquelas geringonças aladas, (de vários modelos), lá levantavam vôo, e
quando era indispensável “costuravam” com as metralhadoras, desembaraçando
clareiras ocupadas, disparavam uns rockets, lançavam umas bombitas, e,
em dias festivos, pacificamente, até faziam meia dúzia de piruetas para animar
a malta e abrir a boca aos palermas dos machambeiros.
Apesar de
tudo, nunca me constou que quando algum por não lhe “apetecer” voar, tivesse
ficado lá em riba. Vinha logo parar cá a baixo; até porque o piloto já sabia
que no ar, os hospitais eram inexistentes.
Aqueles
“calhambeques” voadores comparados com os aviões de hoje, eram como uma
bicicleta-motorizada, comparada com um BMW.
Enfim… era o
que havia nessa altura, e lá nos íamos remediando; e à porra e à maça, safando
o nosso pêlo, a honra da Pátria e da sua bandeira, que lá fora, imberbes
sacanas e traidores, iam denegrindo e espezinhando.
...O avião
começou a baixar e os efeitos da pressão atmosférica a fazerem-se sentir nos
tímpanos, “abram a boca qu’isso passa, seus cavalos”, vociferou o calhau
de um sargento. Realmente foi uma “bacorada” que até à data não me esqueci. O
“sorja” era mesmo inteligente e dinâmico – pelo menos na linguagem!... Não sei
bem como, porque no serviço militar, a inteligência diminui na razão directa do
aumento do número de divisas – há ocasiões em que até com os galões isso
acontece.
Bem, vou deixar-me
de patacoadas, pois estou com temor de que algum “chico” saiba interpretar
estas letras e vá logo chamar-me de “cavalo” e colocar-me na posição de
sentido.
Vinte e seis
de Junho de mil novecentos e sessenta e três.
O “Barriga-de-jimguba”
lá foi baixando, e eu, com cara de palonço, a olhar a paisagem que para mim era
nova, quase nem dei pela aterragem executada com proficiência, sobre uma larga “estrada”
de terra batida, de côr avermelhada, que mais tarde viria a ser uma pista. O
aeroporto de Nampula, andava em construção e o próprio Aeródromo ainda não
estava provido de um hangar.
Os aviões ao
aterrarem e ao descolarem, levantavam um pó ruborizado que aos poucos ia
tingindo tudo à sua volta, desde arbustos às plantas rasteiras que ladeavam a
“pista”, até às bananeiras mais distantes.
Chegados à
gare, eu e os meus companheiros de viagem desembarcamos. Olhei em redor, vi
quatro ou cinco DO-27 (Dornier), três ou quatro T-6G (Harvard´s) e de momento
era esta a nossa frota bacalhoeira para o “ataque” ao terrorismo quando ele surgisse.
Estamos armados até aos dentes - pensei eu – e interiorizei um sentimento de
caçoada.
Nem um hangar
havia para fazer as inspecções! Mas depressa fiquei a saber que aos “aparelhos
de guerra”, eram feitas colocando um toldo de lona sobre os motores e as
carlingas, quando rebentavam as celebres e repentinas tempestades tropicais,
que eram copiosas na pluviosidade, mas parcas no tempo de duração.
O clima
africano era assim.
António
Figueiredo e Silva
http://antoniofsilva.blogspot.com/
Nota:
Faço por não usar o AO90
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