A MINHA RIQUEZA
Sonhar também é uma forma de viver.
(A. Figueiredo)
A MINHA RIQUEZA
(Ilusão)
Eu
sou descendente de uma famelga “abastada”, cuja herança foi transmitida, pela
parte da minha mãe, ao meu pai, por óbito dela – que nenhum deles já neste
mundo de vigaristas se encontra.
Todavia,
como os meus pais casaram com Comunhão Geral de bens, e é de lei, a fortuna
passou a pertencer ao casal, em partes iguais, da qual a minha mãe me autorizou
a fruir. Ah, ainda para aumentar a minha for
tuna, já de si bem abonada, veio a
herança de um tio, que nem se quer conheci – paz à sua alma, e obrigado tio!
Ora
bem, nasci “marquês proletário”, mas, protegido pela sorte, banhado pela astúcia,
opulento em “parlapié” e um buraco camuflado num velho muro, cheguei à
invejável posição que se pode ver.
Muito,
mas muito mais do que isto encontrei eu no “cofre-forte”; além de uns Títulos
do Tesouro (alguns dos quais aqui reproduzo), um alqueire e meio de libras esterlinas
em ouro, e um saromil (na gíria da minha terra, que equivale a um oitavo de
alqueire), repleto de morabintinos caldeados com umas patacas e mais umas
moedas que não conhecia. Por dentro, colada à tampa, tinha a uma amarelecida
fotografia com o busto de um barbaças que eu não conhecia de lado nenhum, até
ser elucidado por um amigo meu, douto na matéria. Era do busto de Sócrates,
filósofo ateniense, da Grécia antiga.
Mas
o que ali encontrei não lhe pertence, tenho a certeza.
Todo
este tesouro encafuado num rústico, mas bem cavacado cofre em pau-santo (provavelmente
trazido do Brasil pelo meu bisavô), oculto no buraco de uma parede e bem embuçado
por uns seixos de xisto betuminoso, atafulhados de saibro amarelo misturado com
barro e selados com musgo; substâncias abundantes no “Condado” Loureirense,
terra onde nasci há setenta e sete invernos. Carago, que já passou muito tempo!
Dada
a minha linhagem de sangue perro, mas de robusta persistência e caturrice,
sempre acreditei vir a ser possuidor de uma fortuna escondida ou pirateada - pelo
menos na minha fantástica e criativa imaginação.
De
vez em quando assomava-se dentro de mim um palpite e ao mesmo tempo uma ânsia,
de que havia de ser rico; por sorte ou com recurso a “negócios” menos legítimos,
tais como interveniência pouco lisa em vendas de imóveis urbanos, compras de herdades
ou presentes em “cacau”, feitas por alguns amigos do ”coração”. Qualquer coisa
serviria para esse fim. Esta vesânia assolapou-se na minha abóbora como um mexilhão
se agarra à pedra. Não me dava um minuto
de refrigério.
Há
poucos anos, com a cooperação de moderna tecnologia e para dar termo ao meu padecimento,
arvorei-me, sem perceber patavina do assunto, em pesquisador de metais “raros”
que podiam estar enterrados lá pela antiquada “fortaleza” dos meus falecidos
progenitores, habitação essa, que me tocou por herança.
Com
infinita paciência, por lá fui vasculhando, quase milímetro a milímetro, toda
aquela área, encontrando uns pregos ferrugentos, umas ferraduras já desgastadas
pelos muares e asinos que as “calçaram” e pela corrosão (não confundir com corrupção)
do tempo; umas fivelas velhas, cardas de chancas, um prego de uma galiota ( que
no calão lá do ”burgo” quer dizer caibrar), e três ferraduras de boi - esta parte me leva a crer que houve um boi sem
uma pata, a puxar a carripana.
Já
bastante desmoralizado, estava tentado a desistir, mas a mania impinge-nos uma
força incrível. Lembrei-me de escoldrinhar nos muros de noventa centímetros de espessura
que vedavam o “castelo”.
Devagarinho,
furco a furco, palmo a palmo, por ali fui arrastando a sonda rente ao muro. A
dado momento oiço em reduzida intensidade um piriri, piriri!? Fiquei com
os cabelos de pé. À medida que ia avançando, a intensidade dos piris
aumentava. Ó diabo, aqui há mistério!?
Passando
a sonda para um lado e para outro, fixei a minha atenção no sítio muro onde a
intensidade dos piriris atingia o máximo de volume.
A
minha adrenalina e a minha pulsação aumentaram na razão directa da minha
euforia. Entrei em incontida ebulição emocional.
Fui
buscar uma marreta e toca a escavacar. As minhas glândulas sudoríparas
laboraram como leoas esfomeadas, para manterem a minha temperatura corporal na
bitola certa, que por sua vez, caucionava minha presença neste mundo.
Quando,
após ter removido um monte pedras, deparei com um artefacto talhado em madeira,
fiquei perplexo, radiante e cheio de curiosidade!
Ao abrir aquela encomenda, que estava atada
por umas tiras de couro cru, ia desmaiando de contentamento – felizmente não
aconteceu.
Olhei
extasiado! Estava rico! – O sonho de qualquer bardamerda, que se preze de sê-lo.
Restava
agora outro problema, que era, como justificar à sociedade (e ao Fisco) o opíparo
estilo de vida que tencionava levar, sem olhar a custos.
Dada
a “olhometria” apurada dos colaboradores invejosos, não seria nada fácil. Mas,
como “matéria atrai matéria na razão directa das massas…”, a minha “massa”
atraiu muitos “amigos” influentes e “caridosos”, e pensei que com a sua “desinteressada”
colaboração que me iria safar do busílis
Ao
mesmo tempo, em cauteloso solilóquio, ia dizendo para mim: “não te chateies que
isso é um problemazeco que só agora começou;
vais
ter muito tempo para o resolveres e te safares das garras desses falcões” de
meia-tijela. Ó pacóvio, lembra-te que a narta merca tudo. - Retorquiu o meu EU.
“Vai até Roma, Paris ou a outro lado qualquer, dar uma voltita. Goza a vida e
caga na sociedade, nos seus princípios e na sua magistratura. São todos uns
lambões e uns trauliteiros.
Pois
caros leitores, é isso que tenho feito e continuarei a fazer, porque a fortuna
não é pertença do Sócrates,
nem
tenho nada a declarar ao Fisco – até ver.
É
minha e ninguém tem nada a ver com isso.
Se
tenho cabras ou não, é cá comigo.
Só
sei que actualmente, apesar de não ser um rico homem, sou um homem rico. E o
dinheiro tem poder!?
Isso
satisfaz-me.
P´ró
resto, caguei.
António
Figueiredo e Silva
Coimbra,
18/04/2021
http://antoniofsilva.blogspot.com/
Nota:
Faço
por não usar o AO90.
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