APARÊNCIAS
Não
vivas de aparências, elas mudam.
Não
vivas de mentiras, elas são descobertas.
Não
vivas pelos outros, vive por ti.
(Autor
desconhecido)
AS APARÊNCIAS
Pois é. Afinal, se calhar não é!? Até poderá ser, mas, bem vistas as coisas, vivemos num mundo balofo onde as aparências conquistam o primeiro lugar no podium social. Por isso, nem tudo o que parece é.
A meu ver as aparências não passam de
ornamentos toscos e tolos, que só brilham na ausência da eloquência, o espaço
reservado à modéstia, à simplicidade e à integridade. As lantejoulas servem
meramente de disfarce a quimeras que esvoaçam do reduzido espaço de mentes
entorpecidas pela penumbra da ilusão, como se estas fossem uma realidade.
No entanto, há uma particularidade que as
híbridas afigurações não conseguem encobrir; o carácter. Porque este já vem
patenteado geneticamente e é sempre fiel a cada criatura, desde a sua
germinação até que ela suba a outra dimensão. Na rectidão, a Natureza não é
desperdiçada e mantém e mantém com apurada precisão a imutabilidade na formação
das Suas obras. Quer queiramos quer não, as coisas funcionam desta maneira e
não há outra volta a dar.
É por isso que, viver uma vida de
aparências, é andarilhar uma existência a enganar-se a si próprio. É um
trabalho de tal dureza que pode levar à capitulação emocional, à depressão e ao
desespero. Isto porque, as aparências realmente podem enganar, porém, com o atravessar
do tempo, o odre de contenção vai-se rompendo e deixa escapar as atitudes mais
imperceptíveis, que são sempre as mais fiáveis reveladoras do que cada criatura
guarda dentro de si. Por isso, aqueles que querem mostrar o que não são, acabam
por expor, boa ou defeituosa, a medula da realidade que as caracteriza.
Aqueles que abandonam a sua essência exclusiva
para se alicerçar nas aparências são semelhantes a astros informes, porque não
desfrutam de brilho próprio. A falsa imagem, não passa de um embuço onde muitos
tentam encobrir o seu verdadeiro interior, esquecendo-se de que, como ocorre
com o azeite e a água, mesmo depois de caldeados, com o tempo, um deles afunda.
Sei que esta é uma metáfora atabalhoada e sem
piada alguma, mas encerra uma realidade bastante cimentada nos nossos dias. As
aparências.
Não deixa de não ser verdade que iludem. Mas as aparências
do seu efeito são sempre de curta duração. Assim, as pessoas devem primar pela
sua legitimidade para que amanhã não venham a sofrer de desilusão e terem de
cair na fossa da zombaria “silenciosa”, porém mordaz e tendenciosa. Não é no
aspecto, no “ouro”, nem nas lentejoulas, que reside o verdadeiro carácter do
ser humano; este habita na verdadeira essência da criatura, que é aferida pelo
seu comportamento. Os seus procedimentos é que são o real garante da destruição
das aparências, caso existam. Como tal, viver de aparências será sempre uma
rasteira que os fracos de espírito armam a eles próprios; criam amigos que
nunca o foram, afectos que nunca existiram, e até, quem é o mais grave,
expectativas falsas, que um dia lhes irão custar caro.
Não deixo de não dizer que para sobreviver nesta comunidade
tribal, torna-se necessário o recurso às aparências, porém, quando acima de
determinado patamar, pode sobrevir moléstia viral. A obsessão.
Contudo e em princípio, elas enfeitiçam somente aqueles,
cuja perspicácia está enfraquecida, é incompleta ou inexistente, e lhes obstrui
a visão do horizonte onde se situa a realidade.
É certo que as aparências andam infalivelmente grudadas ao
fingimento, como se fossem irmãs siamesas, embora heterozigóticas. Umas não sobrevivem sem a outra, porque,
enquanto as primeiras aparentam o que não são, a outra, dissimuladamente finge
acreditar no embuste. Compreendo, no entanto, que o “jogo-às-escondidas” entre estes
dois elementos, são uma maneira desequilibrada de tentar harmonizar, com
recurso ao fingimento, a simetria na classe social numa comunidade doentiamente
avassalada pela presunção. Até nem me parece estar de todo, errado!? São
habilidades airosas da interacção entre a pavoneio barato e o fingimento
intencional, os condimentos indispensáveis para estas caldeiradas de
aparências.
Para terminar, questiono, qual a razão de subsistirem seres
que não conseguem edificar a sua existência com pedras de realidade arrancadas
na pedreira do seu próprio eu? Penso, e devo manifestá-lo, que as razões
principais do recurso às aparências devem ser decorrentes da fragilidade nas
componentes coragem, auto-determinação e falta de conhecimento próprio.
Rematando: ignorância congénita.
É certo que ninguém se faz. Já nasce feito. Reconheço que a
sociedade tem parte interveniente em algumas mudanças no comportamento das
pessoas. Mas o cerne genético é imutável.
Assim, sou levado a plagiar algumas palavras que fazem parte
de uma antologia de adágios, agrupados pelo músico brasileiro Júlio Cézar
Leonardi: “quem nasceu lagartixa, nunca
chega a jacaré”.
Pode não ser, mas parece. Se calhar, é mesmo.
António Figueiredo e Silva
Coimbra, 12/08/2020
http://antoniofsilva.blogspot.com/
Nota:
Procuro não usar o AO90.
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