A MINHA AMANTE

 

Nunca julgues antecipadamente,

 o que na verdade não provaste.

(António Figueiredo e Silva)

 

A MINHA AMANTE

 


Estou convicto de que quando se atinge uma determinada craveira temporal, ficamos carentes de afeição; assim, mesmo que não queiramos, por imperativo dessa míngua, procuramos arranjar outro amor, que em paralelo com aquele que durante muitos anos nos acompanhou como esposa, nos faça sentir mais felizes e relaxados, enquanto não chegamos ao limite.

Pois eu, arranjei um. Ou, por outro lado, de acordo com a minha esposa, até foi ela que envidou esforços para mo arranjar.

A partir desse dia, passei a sentir-me mais feliz, mais aliviado!

Essa amante, está sempre à minha disposição e é muito compreensiva; não protesta sobre os meus desejos, nem resmunga se por vezes, movido pelo amor que lhe consagro, a pressiono mais do que seria de prever. Mesmo assim, é macia e profundamente fofa. Molda-se às minhas habilidades amorosas, mantendo sempre um sepulcral silêncio. Carinhosamente roço-me por ela, encosto-a a mim, abraço-a e afago-a, sem dela ouvir o menor lamento!

No seu silêncio, a infeliz, suporta todas as vicissitudes que passam pela minha cabeça louca, em que o “sadismo”, ainda que aparente, por vezes se manifeste com alguma agressividade.

A loucura do afecto que se instalou em mim, é de tal forma, que já não consigo passar sem ela a meu lado; porém, a minha esposa, virtuosa na sua condescendência e compreensiva pela sua sensatez, também nada diz sobre o assunto. Mesmo quando a enfio entre as pernas, apenas se limita a perguntar; “sentes-te bem”? Já vi que não podes passar sem ela, - diz com carinho, em timbre de gracejo. Olha, agarra-te e dorme descansado.

Para os mais cépticos e indiscretos, quero aqui referir que essa amante, que eu muito adoro, e à qual todos os dias me abraço ou entalo entre as pernas com efervescente, porém carinhosa vontade, foi um presente como prova de afecto, oferecido pela minha, também muito estimada, esposa.

A almofada é tão aveludada, tão suave, e facilita tanto o meu descanso, que eu, por conveniência, jamais a poderei abandonar. Desde que tive o prazer de a ter recebido, ela tem-se comportado como um óptimo emoliente para as dores provocadas pela minha “estimada” artrite reumatoide, nos sítios onde ela mais ataca; joelhos, tornozelos, colos do fémur, coluna vertebral, etc. Em tudo aquilo que diz respeito aos mecanismos articulatórios da minha estrutura óssea.

Estas, são razões mais do que justificativas, para que eu nunca abandone esta minha “dilecta” amante! Uma almofada em tom azul-marinho, muito aveludada, que a minha predada mulher há tempos me ofertou!

Neste instante, em que já João-pestana bate à porta, para sentir a delicada e aveludada maciez, da tão querida almofada, vou dormir com ela entalada entre as minhas pernas e ferrar-o-galho tranquilamente – espero!?

Até amanhã.

 

António Figueiredo e Silva

Coimbra, 6/10/2025

 

Nota:

Não uso o AO90.

 

 

 

     

 

 

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