COISA (?)
Tem cuidado,
se crês estúpida e cegamente na coisa,
porque acabas
por ser enganado por coisa diferente.
(António
Figueiredo e Silva)
COISA (?)
Provavelmente eu também
não saberei; mas vou tentar explicar, à minha maneira, que até poderá estar
errada.
É um termo da língua
portuguesa, que de mais versatilidade caligráfica desfruta. Este substantivo, é
provavelmente, o elemento mais empregue como condimento nos nossos refogados
linguísticos, quando pretendemos expressar ou transmitir qualquer coisa, -- até pode ser, coisa sem nexo algum. Tanto poderá ser usado
como um arremate abstracionista, como para demonstrar determinada situação,
justificada pela realidade irrefutável da mesma.
É um termo que funciona
como redentor de tudo, quer a coisa exista, quer não passe de uma falácia ou de outra coisa qualquer. Por isso, todos recorremos diária e constantemente
à coisa, - que até poderá indicar coisa nenhuma. É espirituoso, não é?!
Não tenhamos dúvidas quanto
à riqueza da nossa língua! É desafogada no seu léxico, e também, na sua
polissemia (esta, quando me der na venêta pronunciar-me-ei). É por causa destes
factores, (mas há mais, embora de carga mais leve), que sobrevém tanta coisa, que é de bradar aos céus!
Há vários modos de coisar;
se existe contenda, “daqui a pouco estás levar com uma coisa na cabeçona”; se não percebe bem ou não sabe, “olha
p’rá ‘quela
coisa”; se se esqueceu da designação do artefacto,
“agarra-me aí nessa coisa”; se
cogita na crítica, “deixa p’ra lá, que já não diz coisa com coisa”; se fica com aumento queratinoso na testa, “não sei
porque ela me plantou esta coisa”; se é malandreco, e está com apetites libidinosos, “cheira-me
a que está a apetecer-me qualquer coisa; se é segredo embarrilado, “gostava de confessa-te
uma coisa, mas não consigo, etc.
Esta coisa da coisa, é frequentemente utilizada, quando o nosso raciocínio logra
a vontade da rapidez por nós desejada; isto acontece, por causa da inquietude
ou da lentidão congénita da nossa mioleira, quando nela, a coisa anda disfuncional, e, por não entendermos
patavina da coisa, tentamos, ainda que tacanhamente,
defender uma coisa, recorrendo ao emprego da coisa.
Há “filosóficos” de charrua,
que, mesmo não dizendo nada, arrogam-se a afirmar que uma coisa é uma coisa, e outra coisa é outra coisa ou mesmo, que não representa coisa alguma.
Porém, se ainda houver
outra coisa, será outra coisa, até dar início à policoisa,
que pode ser coisa diferente, e alongar-se até ao
horizonte incomensurável da falácia, não é verdade? Isto é que é uma coisa grande!
A coisa funciona sempre muleta, tampão ou rolha
de muita coisa; dependendo apenas de que coisa se trate. A sua pluralidade não tem
limites.
Mesmo que qualquer coisa não se haja sentido, existe sempre
qualquer coisa, não é verdade?
Então, mesmo que não
gostem ou não saibam da coisa, tenham
a gentileza de apreciar este articulado sobre a coisa.
Sei que o que estou aqui a dissertar acerca da
coisa, poderá até, ser uma coisa sem nexo; contudo, tenho a certeza
de que esta coisa, vale sempre qualquer coisa, e deve ser valorizada como uma grande
coisa – ainda que, de caca.
O que me moveu a
debruçar sobre este tema, foi que, por não ter nada p’ra fazer, senti falta de
qualquer coisa que me distraísse enquanto a
sonolência não se manifestar; então, resolvi sair do meu habitual marasmo e escrever
sobre outra coisa - que é a coisa.
Se a alguém esta coisa não encantar e se converter num fontenário de críticas, eu aceitá-las-ei
de bom agrado, e, com serenidade, tentarei proteger a minha tese. Porém, se
estas forem elaboradas em termos soezes, impróprios para “consumo”, e me beliscarem
muito a coisa, então que vão p’rá coisa que os carregue – como implicitamente, fica balizado nas
entrelinhas.
Considero que a coisa ficou satisfatoriamente esclarecida.
Bem, como já “coisei”
muito, a noite vai alta e a melatonina já encetou a manifestar os seus efeitos,
sinto que está na hora de dar por terminada esta coisa.
Agora vou tentar repousar
alguma coisa.
António Figueiredo e Silva
Coimbra, 25/08/2024 (às 01;30 h)
Nota:
Não utilizo o AO90.
Gratidão, muita verdade.É preciso cuidado
ResponderEliminarExcelente! 👏
ResponderEliminarPois eu recentemente dei com um programa jornalístico brasileiro intitulado "O É da Coisa", que parece ser uma expressão popular no Brasil. O raio da coisa parece dar-se em todo o lado e serve para tudo e mais alguma coisa.
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