ERA UM VEZ
Esta “talhadela”
foi caligrafada em 25/07/2002.
Fui rebuscá-la, só para lembrar à população desse país,
que as coisas não evoluíram. Antes pelo contrário.
Quero asseverar a todos, mesmo a todos os seus
cidadãos, que a esperança não põe pão na mesa.
Ou regem, ou morrem na penúria.
(António Figueiredo e Silva)
ERA UMA VEZ
Carta ao meu amigo Zé (VI)
Raramente te dou
notícias minhas, mas, como todo o amigo-de-Peniche, só quando estou deveras embaçado, flatulento, revoltado, quezilento, exasperado e a sentir outras
realidades que não me atrevo a dizer porque seria forçado a consumir palavras
do mais vernáculo e acintoso português, que felizmente ainda não constam no
cabro do acordo ortográfico, é que te dou conta da minha existência.
Olha,
amigo Zé, já estou a ficar irritadiço só com o atrupido da cavalgada, que com
as ferraduras da incompetência me tenta esmagar a lógica do pensamento. Perante
este fundamento e para não esbanjar toda a raiva que me lavra a razão e me pode
coagir a sair dos carris, escolhi contar-te uma história para ajudar a dissipar
o meu nervosismo, e, quem sabe, arrancar-te do marasmo em que deves ter vivido.
Como
todas as histórias, esta também irá começar por: “era uma vez…”
Era uma vez…
O seu povo
vivia numa concórdia “antiquada” com a qual talvez na época não simpatizasse,
porém com uma segurança a todos os níveis e uma governação exigente e
cumpridora das suas convenções, onde a ordem lascava a direito, assente em
regras compulsivas e punitivas decorrentes dos princípios nelas instituídas.
É certo, amigo
ZÉ, que ladrões sempre existiram, mas, quando apanhados, era-lhes aplicado um
forte “arganel”, que anos mais tarde, no país inspirador desta história, foi
substituído por uma pulseira electrónica, talvez até em ouro ou prata,
consoante o gosto e as posses do gatuno protegido.
Aquela terra não
era de avantajada grandeza, mas usufruía de um razoável património satélite que
lhe dava força, vida e solidez. Subitamente foi assolada por mais um rude
golpe, urdido por meia dúzia de mentecaptos com as cabeças entaladas entre
grandes patilhas e encumeadas por sebosas cabeleiras, que resolveu fazer uma
tomada do poder, submetendo aquele país e as suas gentes, a outro estilo da
governação; diziam eles que era uma governação socialista marxista, onde todos
seriam iguais e aferidos pelo mesmo sarrafo. Era esta substância bolorenta, o
miolo dos repertórios bocejados ao som de harmoniosas composições
revolucionárias, onde eram arengados o sumiço da pobreza, o equilíbrio entre
ricos e pobres, a criação de subsídios para os jogadores de sueca e
entornadores de copos, etc.
Olha pá, sobre essa filosofia, pá, eu não
enxergo nada pá. Entendes, pá?
O
certo é que o povo desse triste país foi levado na lamacenta e traiçoeira torrente
política e caiu na esparrela. Com lábia soporífera, os ladrões continuaram a
existir, mas em maior número e com requintadas qualidades; mais polidos, mais
descarados, mais fortificados, mais manhosos, mais traiçoeiros e, acima de
tudo, mais ladrões. Apesar destas características deprimentes, por entre
ziguezagues e renhidas altercações, conseguiram por fim atingir a esfera do
domínio, a partir da qual criaram uma ampla cúpula que a todos pudesse proteger
contra quaisquer chafurdices negligentes ou crimes propositados, que apelidaram
de IMUNIDADE, S. A. I. L. (Sociedade
Anónima de Irresponsabilidade Lda.).
Sob
a tutela de regras por eles caboucadas com artesanal habilidade, não
dispensando a prestimosa ajuda dos comparsas para a sua urdidura, começaram
aqueles filhos de rameiras e pais incógnitos, a dar cabo de tudo o que de bom
que aquele povo possuía. Lentamente iniciaram uma cultura de instabilidade e
insegurança que levou a população a deixar de dormir descansada com medo do dia
seguinte.
Pagaram
muito bem pago para o oferecimento de todo o império que aquele país possuía,
donde resultaram consequências trágicas; encetaram uma delapidação do
património financeiro, esbanjando-o perdulariamente sem qualquer senso de
ponderação; assassinaram o ensino e abalroaram a justiça, que só passou a
existir para a arraia-miúda; estrangularam o sistema de saúde com imposições
agrestes que estão fora do alcance de uma grande maioria – velhos, doentes crónicos
etc. impuseram dízimos sobre rendimentos não rentáveis,
que aquele pobre povo não
pode suportar; liquidaram com a segurança do reino pelo achincalhamento e limitação
da autoridade às forças policiais; criaram rendimentos para os parasitas
alérgicos ao trabalho ou viciados na bebedeira e na droga; deceparam mesmo,
muitos benefícios sociais, por lei inalienáveis impenhoráveis; possibilitaram a
gatunos da pandilha o roubo descarado e abusivo de dinheiros públicos e sua
posterior lavagem; ajudaram ou facilitaram a fuga de “ilustres” vigaristas para
outros territórios; apoiaram e protegeram fortunas ilícitas a elementos da
pandilha ou com ligações a ela etc.
Não
saciados, aqueles filhos de pais desconhecidos pertencentes à governação
daquele torrão, que permitiram ou se outorgaram fazer aquelas cavaladas, foram
sempre postos à margem das punições por leis criadas had hoc que os colocou numa posição de intocáveis; por falta de
provas (decisões forjadas) sobejamente conhecidas, ou por deliberações com peso
político, ou por recursos permitidos pela sabotagem das regras de meia-tijela,
ou por expiração propositada decorrente de adiamentos dos casos encanados para
julgamento e consequente punição, as coisas deram sempre em águas-de-bacalhau.
Não,
amigo ZÉ, esta não acaba como todas como todas as outras histórias, com um fim
glorioso, em que tudo fica bem e reina a felicidade e o bem-estar.
Não,
nesta narrativa sobre aquele país imaginário fruto da minha inspiração, o pobre
povo ficou atascado na calamidade até ao gasganête. Uma parte meio escondida,
outra a céu aberto e ainda com um calote às costas para pagar, resultado da
cáfila e récua de incompetentes e ladrões, que desgovernaram e saquearam
impunemente aquele país que, apesar da desafortunada delapidação de seu
império, ainda tinha recursos para andar da cara levantada, em vez de ser
coagido a ficar roncando e a chafurdar no lamaçal, gemendo, chorando e a dar serviço
às agências funerárias, para diminuição das despesas costumeiras, investidas na
detecção, assistência e ulteriores tratamentos das mais diversas maleitas. Isto
porque os piratas que por sublevação tomaram conta da governação daquela terra,
assaltaram o seu património e arruinaram o sistema governativo antes
instituído.
O governo, disposto em meia távola redonda,
instaurou com frieza de verdugo um genocídio encapotado, que o povo tem de aguentar até que o fôlego se abscinda.
É muito infeliz esta história, não é
Zé?! Até a mim me extirpa a vontade de repousar. Pobre povo!
Com
um grande abraço, até à próxima.
António Figueiredo e Silva
Coimbra,
25/07/2002
www.antoniofigueiredo
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