EX-COMBATENTES DO ULTRAMAR
“A guerra é um lugar onde jovens que não
se conhecem
e não se odeiam, matam-se entre si,
por decisão de velhos que se conhecem,
odeiam-se, mas não se matam.”
(Erich Hartmann)
EX-COMBATENTES
DO ULTRAMAR
Já foi tempo em que a jactância da juvenilidade teve um peso assaz persistente sobre no dorso da minha maneira de sentir – como de tantos outros da minha idade. Com o andarilhar do tempo, a causticidade da vida trouxe à tona o conhecimento da realidade e a inevitável redução dos níveis de adrenalina e dopamina, que tiveram grande impacto na minha forma de reflectir, conferindo-me uma visão mais realista do aproveitamento que fizeram das minhas características físicas e intelectuais, ainda em estado de maturação.
Foi
a época sazonal própria para a lavagem cerebral, onde a loucura e a sensatez se
digladiavam por não terem uma medida calibrada. Não chegarem a mútuo consenso.
É
lógico que agora, já bem calcetado com as pedras causticadas pelo conhecimento,
a configuração de pensar, forçosamente, terá que diferente; objectivamente mais
realista e mais ponderada. As copiosas chuvaradas do percurso transcorrido,
limparam quase toda a saponária dos olhos, dando-me a oportunidade de ver com
melhor clareza, quão grande foi a minha “inocente” burrice.
Visto
assim e agora (que já é tarde), o que me importa ser possuidor de uma medalha
ou um cartão de ex-Combatente do Ultramar?
Não
contemplo razões para tanta polémica à volta de uma ilusão que em nada se
traduz.
Fundamentalmente
a nossa missão, (além de outras, como é inteligível), foi arriscar o nosso
canastro para ganhar insígnias para outros; para aqueles que foram os embriões
plantados brotados e vicejados na Academia.
Rapaziada…
já tivemos o nosso valor, o nosso tempo; já fomos carne-p’ra-canhão; já
conquistámos muitas medalhas que estão, com descabida vaidade, dependuradas no
pau do “fumeiro”, daqueles que nunca deram um filho-da-puta de um tiro; nunca o
fumo da pólvora lhes trepou pelas narinas; nunca cheiraram carne queimada, a
não ser a frango-à-cafreal; nunca choraram de raiva; nunca dormiram com um ôlho
aberto e outro fechado enquanto os ouvidos detectavam o quebrar do mais pequeno
graveto sob as patas de alguma quizumba mais afoita na sua “digressão”
noctívaga, em busca de carniça para nutrificar a sua prole; nunca tiveram
necessidade de passarem-pelas-brasas em chão húmido e sem enxerga; nunca
passaram pelo suplício de Tântalo; nuca comeram o pão que o Diabo amassou; nunca
passaram por ciliciantes mínguas azêdas; tão azêdas, que nem vale a pena falar.
O
seu principal papel foi sempre o de receberem agraciamentos, condecorações,
numismas e subir de posição.
Companheiros,
vós sabeis disso. Aliás, todos temos essa noção, que não é apenas percepção; é
realidade.
Agora
o que podemos esperar, se somos considerados como uma velha tralha, arrumada a
um canto, neste mundo de sucata?
Não
vejo razões para tanto burburinho; só serve para nos irritar e não vai levar a
caminho algum.
As
medalhas, os cartões e os louvores, não dão comida nem conferem estatuto, se
forem colocadas a secar ao peito daqueles que realmente lutaram; ao peito
daqueles que as conquistaram. Somente produzem efeito, quando o “terreno” é propício
para a sua cultura e germinação; de resto, não tenham ilusões, porra! Façam uma
trepanação o coloquem o cérebro ao léu.
Aqueles
que ostentam todas essas benesses e que usufruem dos benefícios decorrentes
dessas honrarias, ainda se riem de nós.
Lembrem-se
de que os “heróis são eles”.
Tantas
vezes tenho dito; “mandavam-nos pr’áli, somente com duas escolhas; ou matas e salvas
o teu cabedal, ou morres e salvas o coirato do teu suposto “inimigo”. De uma
forma ou de outra, isto é, vivo ou morto, defendes a Pátria.
É
paradoxal, não é?! Mas a realidade é essa.
Meus
“meninos”; numa guerra, não há escolha. A candeia de Diógenes não pode ser pendurada
na ponta do cano de uma arma; não se pergunta ao “inimigo”, sem o conhecer de
lado algum, se ele é amigo ou não; se optar por fazê-lo, jamais terá tempo para
ouvir a resposta.
E
agora, que a guerra já passou, não vejo o que possamos vir a lucrar com toda a algazarra
que até agora tem sido feita? Algum elogio a título “póstumo” (para alguns), ás
tantas, nem isso.
A
única coisa que me revolta, é sermos evocados como ”vilões
e criminosos” por um paupérrimo contador d‘estórias.
Isso sim, chateia-me muito!
No
entanto, ao que parece, o **Estado Português não desistiu de enviar mais alguns “vilões
e criminosos” para aquelas bandas equatoriais onde o
genocídio tem sido uma constante. Não contesto essa tomada de posição, todavia,
não vou catalogar os que vão, de “vilões e criminosos”, como
ousou fazer o português, “primo afastado” dos irmãos Grimm.
Muito
gostava de ouvir agora, a opinião do tal “primo”, também, contador d’estórias,
que não tem nenhuma noção do que é guerra. Talvez que, se tivesse provado do
seu sabor, poderia não ter a sorte de estar cá para ‘storiar tais bosteiradas.
É
tempo de pensarmos que nenhum de nós tem pretensões de chegar a general.
António
Figueiredo e Silva
Coimbra,
02/04/2021
*Hiena
em shimakonde.
**Excerto retirado do:
JORNAL EXPRESSO
O Governo português vai enviar cerca
de 60 militares para reforçar a ajuda na formação das forças especiais
moçambicanas. A informação foi confirmada ao Expresso pelo Ministério dos
Negócios Estrangeiros esta segunda-feira, dias após o ataque à vila de Palma,
no extremo norte de Moçambique, em que dezenas de pessoas morreram e um
português ficou ferido.
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