O "MANEL BAREIRO"
O
“MANEL BAREIRO”
Ou
“MANEL
D’OBAR”
(Coisas
da minha terra)
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Vendedor de peixe |
Alto,
dono de uma altura bastante abonada, de boina posta de lado sobre a cabeça para
lhe proteger a vista dos raios do sol, o nariz meio afiado, tez salitrada e
algo escamada pela aragem do mar; todas as semanas esta figura vinha desde a
praia do Furadouro, localizada em Ovar, até Loureiro,
a
apregoar o seu “quem queeer, peixe freeesco!”, pescado no mesmo dia - pelo menos,
com solene convicção amparada por um modesto sorriso na face, assim o garantia.
Calcorreando a pé e descalço, a massacrar as plantas dos seus grandes pés, transportando
um pau sobre o ombro com duas canastras, uma em cada ponta, toscamente
amarradas por um bocado de corda de sisal, lá vinha aquele desventurado a quem
a sorte não protegeu, à torra do sol quando a canícula do estio apertava, fazer
sua “venda”, que era mais esmolar do que a vender - por vezes tinha a sorte de
acontecer as duas coisas.
Naquele tempo a vida era muito dura! E,
para aqueles que nasceram em determinadas regiões riscadas de bons acessos,
andavam sempre a sobrevoar as faixas aflitivas da pobreza, mantendo no entanto
uma seriedade e uma humildade, hoje custosas de achar.
Há muitos anos, o Furadouro e a
Torreira, eram regiões piscatórias de acessos agrestes, que as colocavam
distantes dos centros mais povoados; pertenciam por isso, a um grupo onde
muitas de outras áreas marinhas tinham os mesmos problemas, e que também não
lhes ficavam atrás na escassez de quase tudo, porque nem só de peixe vivia o
homem.
Pois este, o Manel Bareiro, como era
conhecido em Loureiro, andava uma distância que rondava dezoito, vinte
quilómetros, para cada lado – era um bocado! – para cumprir a penosa missão de
assegurar pelo menos, que a broa não faltasse em sua casa, porque peixe havia
com abundância; de tal maneira que muito dele apodrecia e era vendido ao preço
da uva mijona para adubar os campos na minha terra. Chamavam àquele
fertilizante, que fedia a ranço p’ra burro, escasso – desconheço a etimologia
da palavra.
Chegava aqui, as pessoas já o conheciam
bem, e então levantava o *oleado que era o impermeável da época, com o qual
forrava as canastras e protegia o peixe da quentura do sol, exibia a sua
mercadoria que era bem regateada antes de passar as mãos do cliente e depois…
“por acaso bocê num tem p’raí um bocadinho de brôa que me possa dar? A bida
s’tá má, o pêxe num dá case nada porque as pessoas num tem dinheiro; e atão no
Inberno é que passêmos munta fôme, porque a companha num bai ò mari, sabe? É
uma bida, que só Deus sabe!? – Dizia aquelas palavras com alguma tristeza envolvidas
numa expressão de resignação imposta pela madrasta da vida e docilmente
suportada pela sua maneira de ser.
Se lhe davam a “côdea”, levantava o
encerado o colocava o pão entre este e acanastra, onda já jaziam alguns nacos
por outras pessoas ofertados.
Lembro-me muito bem dele; era muito boa
pessoa e muito bem educado, e, acima de tudo, dotado de uma mansidão do tamanho
da sua estrutura física; grande!
Um dia até me ofereceu um galricho, que é
uma artimanha artesanal feita com aros de vime e rede, para colocar nos canais
ou nos rios onde havia peixes; quando eles entravam já não conseguiam sair.
Eu era muito miúdo quando o conheci e
provavelmente ele já não se encontra entre nós, mas eu nunca o esqueci; chegou
pois a hora de, com muita saudade, relembrar o seu nome, uma pessoa a quem a vida
bastante causticou.
O “MANEL BAREIRO” ou “MANEL d’OBAR”.
António Figueiredo e Silva
Loureiro 12/12/2016
*Oleado; era um pedaço de lona besuntado
com óleo de linhaça, depois posto a secar,
cheirava
mal p’ra caraças, e servia de impermeável
para
águas da chuva e outros líquidos; ainda não
havia
sido descoberto o plástico.
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