O MELRO
O
MELRO
(Não
tem nada a ver com Guerra Junqueiro)
Eu conheci-o! Não era jovial,
nem alegre, nem luzidio e não soltava risadas de cristal… as suas anafadas
“melodias”, mais pareciam o cacarejar de um garnisé irreverente, cantado de
galo em riba do poleiro, antecipadamente organizado para ele. Quando o vi pela
primeira vez, assomou-se-me à minha já astigmática visão, uma figura caricata,
que, pelo ar tosco que apresentava a orbitar o ridículo, parecia ter saído da
pena sarcástica e contestadora do já falecido José Vilhena – que a sua alma de
guerreiro, descanse em paz.
A
sua plumagem era nevoenta, surrada e em desalinho. Até os sapatos onde as bases
das suas canetas assentavam, eram tão disformes na medida, que os dedos muito
teriam de penar para chegar às biqueiras, sem nunca o conseguirem. O seu
pescoço depenado, de reles galináceo, era atabalhoadamente enrolado num farrapo
pintalgado, de mau gosto, mais parecido com um Kafie árabe; o seu revestimento epidérmico era trigueiro, como um
chouriço minhoto - na sua aparência e não no gosto - antes de ser defumado,
encimado por umas urzes capilares mal aparadas e em desalinho, - à reguila - seboso
ou encharcado de brilhantina e polvilhado com alguma caspa à mistura - ou era
da minha vista - com traços de rebeldia puerilizada que, no seu todo, exibia falta
de uma presença respeitosa, como é requerido ou exigido a uma figura
aristocrática, na cultura em que vivemos.
Olhei
para aquele espécime da fauna governativa, e critiquei para com os meus botões:
“então é esta avis rara que exige ressarcimento
pelas suas baboseiras”? O que é que este saltimbanco quer?
Fiquei
pasmado ao ouvir o seu tagarelar! “Aureolado” por uma simpatia e uma descontracção
constrangidas, onde era notório que a sua linguagem gestual atraiçoava a
fidelidade dos argumentos arrancados pela picareta da sacanice atada por um
baraço fibroso de mau fígado, ao cabo acasmurrado de velhaca vingança, porém,
desfavorável ao estabelecido no seu juízo. Pelo menos, naquele momento, assim o
entendi.
Não será fundamental
muito conhecimento científico, para um velho como eu analisar um comportamento
defeituoso, muitas vezes mal incutido no reino da petizada, que, por se
sentirem homens a sério, - que nunca serão - face à alcândora onde que foram pousados,
posição essa, consequente da cegueira reinante que em determinado tempo
contaminou os sentidos de muitas pessoas, e serviu de trampolim a manhosas
conveniências de outras, que, destituídas qualquer sentido ético, destes
espécimes se serviram para atingirem os seus fins.
Ao
entrar no alvazil, olhei para a ave e murmurei para comigo, em reservado
solilóquio: este merda não presta; não vale a ponta de um corno.
Era
realmente um melro que não interessava, nem ao Menino Jesus – como é costume
dizer-se na gíria depreciativa do nosso povo.
Era
uma ave de franzina estrutura, que, parodiando, mais se assemelhava à de uma
carriça; não tinha bico amarelo, a totalidade do seu aspecto era tosco,
escanzelado e não sabia chichorrobiar.
Sentado
no seu “galho” com as pernitas traçadas, numa clara falta de respeito para os
princípios mais elementares estabelecidos para um Sinédrio, postura pela qual
não foi admoestado, sinal de que por ali havia uma certa intimidade.
Não
parecia uma ave; mais parecia uma autêntica abécula, um fiasco, um triste arremêdo
à passarada da sua estirpe.
Lá
encetou a sua lengalenga num arengado assobiador, condimentado com um intenso
cheiro a falso sofrimento, de certeza cozinhado numa rábula partitural antes
ensaiada, numa tentativa maléfica de mudar o rumo à razão que não estava do seu
lado.
Mas
que rico melro!?
António
Figueiredo e Silva
Coimbra,
07/11/2015
www.antoniofsilva.blogspot.com
Ou:
www.antoniofigueiredo.pt.vu
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarSim, foi removido pelo autor, mas por mero acidente.
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