VELHO DE PÉ-PESADO
VELHO
DE “PÉ-PESADO”
(Historietas
da vida)
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É ELE!? |
Eu conheço-o. É uma linda bisca! De
estatura média mas de sólida construção arcaica, bem-parecido – apreciações
públicas – e lúzios azúis; na bouça do cocuruto, onde antes havia cabelo loiro,
restam presentemente meia dúzia de pêlos sobreviventes à calvície que não deixa
de alastrar, de modo a ceder o lugar a um minúsculo heliporto; foi premiado com
três enfartes do miocárdio, provavelmente decorrentes da desregrada fartura que
atravessou, e é dono e senhor de meia dúzia de artroses que, ao roçarem entre
si, perdem a cabeça e doem p´ra burro, fazendo ele também perder o tino; já não
bate bem da tinêta, porque expõe realidades factuais que muita gentalha –
gentalha… repito - não gosta de ouvir, mas lá vai andando; apesar da sua
“tenra” idade, setenta e dois anos, estou convencido que a senilidade ainda não
lhe inquinou a capacidade psicanalítica.
Tenho-o como uma pessoa honesta, de bom
fundo moral, porém agressivamente quezilento quando julga a razão do seu lado, o
que provavelmente nem sempre acontece, ou quando “abutres depenados” tentam
invadir a sua ninhada; é apologista do diálogo onde a altercação não tenha
assento à roda da távola; tem bastante apreço pela honradez e pela palavra, seus
breviários de meditação preferidos. Aprecia contribuir com dois dedos de palratório,
desde que este não seja constituído por
conversunca de deitar fora, onde nada se aprenda e outro tanto se ensina - p´ra
esse fim, estão as conversas das telenovelas, as queridas manhãs, o preço
certo, a vida nas cartas, a tarde é sua, você na tv etc. há muita porcaria para
encher o espaço entre as têmporas nas cabeças ôcas.
Sempre procurou, dentro das
possibilidades entre a sensatez e o erro, observar os regulamentos instituídos
e evitar desta forma pôr o pé em ramo verde.
Mas, esta do pé-pesado tem algo que se
lhe diga! Pelo menos para desanuviar.
O velho – devia ser sénior, hoje hipocritamente é mais chique – que vive em Coimbra,
mas por azar de quem morreu e por sorte de ter tido uns tostões, tem uma casa
em Vidago (mais propriamente numa aldeia de nome Vila Verde), para onde todos
os anos se desloca numa “peregrinação” afectiva, porque gostava de quem lá
morou e gosta das pessoas lá do “burgo”, cuja afabilidade, é aquela com carimbo
genuinamente transmontano.
Numa dessas deslocações e sem saber que
o azar o aguardava de regresso para Coimbra, numa recta, com melhor pavimento do
que o autódromo de Estoril, (recta de Vila Pouca de Aguiar), porque tinha
recebido um telefonema a comunicar que uma das filhas estava doente, a sua
preocupação fê-lo abster-se dos seus deveres e carregou mais um “bocado” no
prego; mesmo ao fundo da recta, onde nem casario havia, ao passar, notou à
frente, à sua esquerda, um flash, e,
desconfiando que ali havia “passarinho no capinzal”, comentou para a esposa,
“ou sou uma pessoa muito importante para me tirarem fotografia, ou já estou f…
“isso não foi nada filho (da mãe e do pai, que sabe quem foram), se calhar foi
ilusão tua. Não, filhinha, como ainda tenho o rescaldo aeronáutico entranhado
no sangue, às tantas vinha a voar e não dei por isso”; é natural…
Passados uns bons kilhómetros (à madeirense), aguardavam o velhote, duas simpáticas e
atenciosas figuras, bem uniformizadas, - que deus os mantenha vivos por muitos
anos e que nunca sejam apanhados por um radar detector de flight speed, no gozo dos últimos dias das suas vidas – fizeram um
mesura continencial – até se sentiu como um general - e descarregaram ladainha
costumeira que todos conhecem de ginjeira. Com calma e um sorriso, “o Sr. sabe
a que velocidade viajava”?... e blá, blá, blá.
Ah… amigalhaços, por consideração, ainda
fizeram um desconto ao velho, de 6km - boa vontade e a honra lhes seja feita.
Afinal só voava a 102 km, quando devia vir a 50km, a velocidade de vôo dos
carrinhos de choque. Por fim apresentaram ao artrítico condutor uma conta –
mínima – de trezentos euros, acrescentando com extrema simpatia e benevolente
linguagem corporal, que até podia pagar em prestações, se assim o desejasse.
O velhote, que por acaso não se chamava
Mário Soares, tinha uns troquitos enlatados num banco que ainda não foi à
falência e pagou logo, não fosse o Diabo tecê-las e ele ser atirado às pulgas;
porque o Estado a ele não pagava – já é bom se o governo aguentar com o que chupam
os salteadores e lhe for pagando a reformita.
Com mais peso do que era suposto, porque
lhe deram um recibo para transportar, rilhando os dentes e mudando de côr, cujo
cromatismo variava entre o amarelo limão e o vermelho tinto DOC alentejano,
rumou para Coimbra, sem incidentes nem acidentes - valeu-lhe S. Cristóvão – não
se esquecendo contudo de que haveria uma pena acessória a pagar ou cumprir, e
que não haveria santo que lhe valesse.
O tempo foi passando… como é costume, a
justiça também repleta de artroses e claudicante, não tem pressa e a coisa foi
diluindo no esquecimento e…
Passado quase um ano o “jovem velho”
recebe uma carta com aviso de recepção com tanta complicação escrita, que mais
parecia um dos escritos do Mar Morto, só para no notificar “V Exa no sentido de
que tinha sido CONDENADO a uma pena acessória de trinta dias em “jejum” sem
guiar o calhambeque – pi, pi! Antes isso do que passar sede ou fome, não é? –
sendo compelido por isso a “proteger” o seu certificado de “pilotgem” em lugar
de confiança, e sugeriram-lhe a GNR, (…).
Bem, o certo é que o “jovem” lá vai ambulando;
umas vezes dando corda aos sapatos, outras de BUS – linguagem mais fina – ou ainda de charrete. Ele preferia
antes um burreco, porque a palha fica mais barata, mas diz que, ao que consta,
fugiram todos para a capital.
Agora
vejam o que sucedeu ao velho com o pé-pesado e tenham juizinho - que ele não
teve - na caixa dos pirolitos, para não vos acontecer o mesmo. E não se
esqueçam: a polícia não é má – tirando alguns - apenas cumpre a missão que por
lei lhe é destinada - nem sempre, mas está bem.
Olhem que isto foi verdade, eu conheço
bem o velhote e ele não costuma mentir - a não ser por conveniência!?
Esse “jovem velho” sou EU.
Coimbra, 16/07/2015
Obs. aos leitores: desculpem alguns erros,
mas,
com o novo acordo ortográfico
passei a burro.
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