VIP´s
VIP’s (Very Important Pigs)
(Fábula)
Gravura de, "O motim dos dos suinos desrespeitados". |
Bem, esta cena passou-se naquele tempo! No tempo em que os animais falavam;
posteriormente, esta particularidade foi arrebatada pelo homem, que dela se tem
servido para os mais escabrosos fins, inclusive o de se prejudicar a si
próprio. Não quero com isto dizer que os porcos hoje não falem!? Por entre
nervosos e estridentes grunhidos de revolta caldeados com roncos de amém ou
“põe-te à tabela que já me estás a cheirar mal”, eles tagarelam, nós é que não
os percebemos patavina; acostumámo-nos a outras maneiras de roncar.
Mas, adiante c’o andor.
A fabulação que vai seguir-se passa-se
dentro de um cortelho, chiqueiro, curral ou corte, consoante a gíria usada nos
diversos lugares confinados à área portuguesa.
Há muitos anos era generalizado que num
característico curral de porcos, toda a vivência em comunidade obedecia a uma
hierarquia rígida comandada pelo porco cobridor ou barrasco, coadjuvado por
mais uns tantos suínos que lhe prestavam subordinação e que entre si também se
iam cobrindo e encobrindo sob uma específica manha suína, para aproveitar os
melhores bocados de abóbora e batatas que caíam na pia; esta, uma verdadeira
obra de arte e paciência, cinzelada em duro granito ou ardósia, consoante a
constituição geológica do lugar, ou ainda em madeira toscamente aparelhada. P’ra
porcos, servia.
O porco grande e os seus comparsas mais
aproximados, com rabo torcido, encostavam o corpanzil uns aos outros fazendo
uma cerrada vedação circular ou em linha, não consentindo que os mais fracotes
da vara, tivessem acesso visual ao que eles comiam; podemos considerar que
havia uma lista de crédito privilegiado da porcaria,
que implicava no escamoteio propositado das malandrices feitas pelos porcos
mais importantes do chiqueiro, cujo conteúdo era vedado aos suínos em que a sua
posição era considerada de mais baixo nível, o que era prova de que não havia
uma igualdade de deveres e direitos concernentes a todos os elementos da porcaria. Este sistema ditatorial
passava-se em todos os chiqueiros do território porqueiro.
Bastava sair da gorja dos VIP’s um ronco
mais troante, para que o silêncio tomasse conta das pocilgas. Se algum suíno se
atrevesse a levantar o véu do sigilo, era-lhe logo levantado um procedimento
disciplinar que culminaria com a consequente instrução de um processo-crime
fundamentado em coscuvilhice porqueira agravada.
Sucedeu que, alguns indivíduos mais curiosos
e mais argutos dos curros, começaram a ficar indignados com os estatutos que
sigilosamente a elite porqueira (VIP) estabelecera entre si, com o fim de se
abotoar com os melhores bocados, tendo para isso, recorrido abusivamente a
estatutos especiais para sua protecção, em danificação da maioria dos elementos
das varas.
Pela sorrelfa, fizeram passar uma
notícia a todos os chiqueiros nacionais do seu país, dirigida aos porcos
revoltosos e mais afoitos, onde era pedida a sua colaboração para a
investigação da verdade sobre o benefício VIP, pois já estavam fartos de se
alimentarem só de água com algumas cascas de batatas com parcas fibras à
mistura. As bolotas não lhes chegavam ao focinho. Queriam saber até onde ia a
igualdade de direitos e deveres, tão apregoados pelos porcos barrascos e seus
“associados” - aqueles que eram considerados os VIP’s das pocilgas.
O certo é que as investigações pariram
verdades até então escondidas que, quando saíram em pasquins como, “A
PORCARIA”,
“SUÍNOS SOMOS NÓS”,
“A FOCINHEIRA”
e também no diário da ala esquerda mais radical, “ABAIXO OS
ENCHIDOS”
e em outros da mesma laia, deram um resultado bombástico em que os senhores das
varas – VIP´s - foram obrigados a reconhecer o seu “equívoco”, ao que parece,
com a criação de mecanismos – pelo menos aparentes – para repor a igualdade
entre os cidadãos constituintes de toda a sociedade porqueira.
Foi uma alegria!
E em todas as pocilgas territoriais se
ouvia em uníssono, entre vozes irritadas, grunhidos e roncos de triunfo, abaixo
os VIP’s (Very Importante Pig’s)! Abaixo os VIP’s! Abaixo os VIP’s!
E, numa berraria porqueira
ensurdecedora, com os rabos em parafuso e orelhas hirtas, berravam:
Aos
Porcos o que é dos Porcos! Igualdade e rectidão! Ou comem todos por igual, ou
não come ninguém.
Victória! Victória! Victória!
Ao que parece as coisas amainaram,
contudo, os que sempre chafurdaram na estrumeira, continuaram a chafurdar. Nervosamente
rilhando a sua sorte na esperança de que um dia as coisas mudem mesmo, e a
“faca” dos VIP’s deixe de ser uma ameaça certeira à sua liberdade suína dentro
das pocilgas.
FIM
António Figueiredo e Silva
21/03/2015
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