AS MINHAS BOTAS?
Se
algum dia te roubarem as “botas”,
já
sabes; vais passar a andar descalço.
(Ah,
pois!)
AS MINHAS BOTAS?
(Histórias
do cotidiano)

O freguês, conhecido por “Socas ou
Pardalão”, era um “moço”, um lindo menino, maduro, de boa aparência, cabelo pedrês,
face rosada e olhar vivo, ar de refilão adornado por uma lábia convincente, que
há pouco tempo apareceu ali na terra, caído céu; ao que parece imigrado da
estranja, e segundo corria, arranjaram-lhe trabalho a tempo inteiro numa
instituição pública de bem-fazer, direccionada para a ortopedia correccional da
ossatura social, cuja actividade era regida - por estatutos, onde severidade,
apesar de racional, era “implacável” – parece que ainda hoje assim é.
Este trabalhador muito devoto à sua
missão, na total impossibilidade de se poder ausentar do serviço por beatífico espírito
de sacrifício, afeição e consagração ao mesmo, recorre ao Ti João Caramujo,
solicitando a sua ajuda para farejar e colocar tudo em pratos limpos. Pesasse
embora a sua figura abarrilada, encimada uma expressão de estampada manhosice e
um cunho carente de oratória, era uma figura bem estimada lá no burgo, sendo
por isso, a pessoa mais indicada para seu representante, na descoberta do autor
do “roubo” – sem que até hoje nada haja conseguido - e consequente
reivindicação das botas de estimação que lhe haviam sido oferecidas e
posteriormente “surripiadas”– sabe-se lá por quem - não à margem da lei, porém,
poder-se-ia considerar, contrariamente à moral, mas lei é lei; apesar de uma
ser baseada na outra, várias vezes há alguma desafinação entre si.
Na altura, a “desaparição” das botifarras
em causa foi um acontecimento trepou de vento-em-popa a rampa “inclinada” que
as levou à fama. Estas foram alvo de contestação por puritanos, de chacota
pelos espíritos mais brejeiros, de luta entre coleccionadores e do falatório
opinativo mais diverso, arrotado por criaturas notáveis em palpites, sob a
orientação de dois ou três copos de zurrapa – tinto ou branco, pouco interessava
- cujo objectivo era, porque é que o ladrão não dá as botas ao homem? Ou então,
porque é que o trabalhador da instituição, tanto reclama as botas, compadri?
A conclusão foi que, mesmo com o empenho
do Ti João Caramujo, até hoje as botas não lhe foram retribuídas, mas também,
nunca foram esquecidas.
Foi um par de botas que ficou para a
história, por razões ainda por apurar, mas certamente divergentes às das botas também
muito apregoadas, de António de Oliveira Salazar – se ainda se recordam.
Foi tão aborrecível o que aconteceu, que
ainda hoje, o fantasma do “Pardalão” com o beneplácito do Ti João Caramujo,
continua a fazer eco nas memórias mais sensíveis, alto e em bom som:
- AS MINHAS BOOOOTAS? Poooooorraaa!
António Figueiredo e Silva
Coimbra, 30/01/2015
ou:
www.antoniofsilva.blogspot.pt
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