IRRESPIRÁVEL
“A maior miséria
da vida humana (outros dirão outra),
eu digo que é
não haver neste mundo de quem fiar”.
(Padre Antônio
Vieira)
IRRESPIRÁVEL
Sempre
que alguma conversação nasça em encontros furtuitos no nosso dia-a-dia, como
que por arte do destino, surge sempre, a tomar o maior quinhão da prosa e a
finalizar a mesma, não o fantasma, mas a realidade da crise por ineficiência
governativa, nossa velha conhecida; desconhecemos no entanto, no entanto é a
maneira de a solver.
No
meio de toda a revolta a que ela dá origem, aparecem sempre figuras de boa
catadura que, não obstante o seu sofrimento, ainda possuem alento para
albardarem a resignação ainda que com contida revolta.
Dizem
uns, “temos que viver um dia de cada vez”, como se o ser humano só tivesse
começado a existir naquele momento, porém, o que ele tem vindo a fazer através
dos tempos, tem sido precisamente isso – e continuará.
Outros,
mais perseverantes, “paciência, temos que ter esperança”, e esquecem-se que
muitos passaram para a outra margem no desespêro de longamente terem esperado.
A espectação alimenta o espírito, é verdade, mas com o passar do tempo corrói o
físico e acabam ambos por perecer.
Alguns,
com o semblante triste, olhos abertos mas sem objectivo focal, - pode ver-se
que estão em aflição – “isto está muito mau”! - E está.
Não
é raridade aparecer alguém a argumentar, que o filho, casado, desempregado
mai’la mulher, seguindo a história do filho pródigo, estão a comungar das
parcas reformas dos pais, que pelo menos lhes garantem uma sopa quente, até que
apareça trabalho ou para lentamente apodrecerem no marasmo, a matar moscas e a
coçar os dedos dos pés.
Também
é frequente ouvir lamentos aflitivos, daqueles que talharam uma vida regrada à
feição dos seus proventos e agora, “por não termos trabalho, vamos entregar a
casa ao banco”. Deve ser muito triste!
Ouço
várias vezes, “eu era pr’a ir ao sr. doutor, mas o dinheirito da taxa
moderadora faz-me muita falta! Olhe, cá vou andando até quando Deus quiser” –
felizmente que Deus tem umas costas muito largas.
“Desculpe
que não estava a conhecê-lo; sabe, eu vejo muito mal, parti os meus óculos e de
momento não disponho de dinheiro para uns novos, são muito caros. Esta crise
não nos larga” – ai não, não e venha quem vier.
Por
diversas ocasiões quando me encontro no interior da botica, “olhe, hoje não vou
levar o medicamento tal ou tal p´ró coração, porque não posso; talvez no fim do
mês” – também é uma maneira airosa de, com “calma, ir cooperando para a
aceleração do seu mortório, e, desta forma “filantrópica”, contribuir para
reduzir a despesa do Estado.
Também
já é usual faltarem determinados medicamentos nas nossas farmácias que, com o
garrote apertado, qualquer dia a maior parte encerrará; mas isto pode resolve-se
através de um licenciamento had oc
para venda de medicamentos nas mercearias do bairro.
O
que se nos apresenta pelas reacções dos portugueses, não é fatalismo, porém uma
realidade cuja dureza lhes macera o corpo e o espírito e que tão cedo não será extinta;
já ninguém confia em ninguém, nem crê na capacidade governativa; o Estado
deixou de ser a pessoa bem que devia ser.
Estamos
num país que está a tornar-se IRRESPIRÁVEL.
António
Figueiredo e Silva
Coimbra,
01/01/2014
www.antoniofigueiredo.pt.vu
Obs:
Para começar o ano, não é mau.
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