AS LUVAS
AS LUVAS
São os componentes
de agasalho com maior versatilidade que conheço. Actualmente o seu uso tem sido
abusivamente solicitado e não tardará muito que, para nos cumprimentarmos, não
poderemos prescindir da sua acção protectora. O seu enraizamento na cultura
humana é tão massivo, que quando é intenção de alguém urdir uma trama ao
parceiro, invariavelmente usa luvas,
para que as palavras saiam com uma macieza mais algodoada e consigam vazar a
indecisão e instalar em seu lugar a concretização, antes onírica, de uma pretensão
que vai metamorfosear-se em certeza.
Toda a gente
usa luvas; uns porque têm mesmo
necessidade da sua protecção, outros, por pura vaidade. Os emproados e os que
realmente labutam, não aborrecem ninguém e cada um usa-as à feição para os fins
de que mais necessita. Alguma figuras, cuja razão desconheço porque as usam,
são os mordomos e os porteiros dos hotéis; não passam esquecidos também, os
guarda-portas dos bordéis mais requintados, onde a “ralé” de alto gabarito faz
o seu tratamento etílico e em sigilosa privacidade roça o seu toucinho. Porém,
desde o pedreiro ao carpinteiro, não fugindo ao trolha, passando pelo ferreiro,
ferrador, engenheiro e engenheireco, atendendo também ao alveitar, médico e
veterinário, enfermeira, parteira, etc. por todas aquelas mãos passam guantes.
As luvas não servem só para proteger o
ser humano perante a agressividade das condições climáticas ou do trabalho; são
como o bacalhau, existe mil e umas maneiras para a sua conveniente utilização,
em função dos fins a que se destinam.
Até aqui não há
nada de relevante a comentar ou a lamentar; a grande questão, quiçá discutível
a respeito das luvas, é quando elas
entram e acalentam o universo político, governativo e institucional de qualquer
país. Quando bem calçadas em mãos comandadas por consciências inexistentes, das
quais Portugal está francamente bem servido, podem promover a corrupção e
infectar os mais diversos elementos que agregam todos sistemas de uma cadeia
administrativa, levando-os desta forma a um inevitável apodrecimento de difícil
travagem, cujas consequências serão desastrosas. As luvas conseguem degolar todas as regras, por muita rigidez que
seja criada para evitar a sua “injunção”. As
luvas, como os nomes, entram em tudo, e principalmente são o unto
lubrificador da ilegalidade onde as regras escorregam e a investigação patina;
são os óculos laterais em couro, que embargam a visão periférica fazendo a
“vista grossa”, permitindo que tudo o que passe ao lado, intencionalmente não
seja entendido.
A compra de
submarinos, viaturas de alta cilindrada para chefões, blindados para forças de
segurança, contractos de parcerias público-privadas e similares, concessões
para construção dos mais diversos edifícios, aglutinando também parques de
estacionamento, estádios, latrinas públicas e até míseros muros de protecção
etc., são quase sempre “legalmente” executados sob a acção protectora de guantes, que podem ser substituídos por
outros interesses subjacentes.
As luvas, dependendo das mãos de quem
as recebe, desemperram as mais diversas engrenagens burocráticas que por vezes não têm préstimo algum, mas que
funcionam como uma pedra no sapato do cidadão comum. Podem ser também
manhosamente utilizadas em sectores, tais como o judicial, segurança,
fiscalização, saúde… e a propósito de saúde vejamos isto: então as luvas não foram usadas pelo nosso
governo e por aquele triunvirato manhoso, a soldo de um sistema especulativo e
escandaloso, para fazerem o toque rectal à nossa economia, e, concomitantemente
a todos os portugueses, cujas “dores” ainda agora continuam a causticar-nos a
pele?
Por tudo isto,
as luvas, principalmente aquelas que
serpenteiam no campo fraudulento do secretismo onde é criada a mineração do
embuste para escamotear interesses próprios, são dignas deste caricato mas real
quadro.
Dixit.
António
Figueiredo e Silva
Coimbra 24/03/2013
www.antoniofigueiredo.pt.vu
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