CONTROVÉRSIA



"Todos somos iguais perante a lei,
mas não perante os encarregados
 de fazê-las cumprir."
 (S. Jerzy Lec)



CONTROVÉRSIA

É do conhecimento geral que o mundo que nos rodeia apresenta-se no momento em excitada convulsão. Isto porque os comandos são mafiosos e os estatutos são ideados de maneira a apadrinhar os poucos que ambicionam muito e a trucidar os restantes, (muitos) para ficarem sem nada. É justamente neste tabuleiro de interesses axadrezados que nós somos os peões dos políticos, que eles deslocam à sua maneira, como querem e almejam; mesmo que as jogadas sejam sujas ou mal feitas, por isso nunca são responsabilizados ou “taxados” pelos frutos nefastos da sua incapacidade, avidez, incúria ou traição à pátria, sua coutada privada.
Todavia, pondo de parte o resto do globo, faço questão apenas em referir-me à parte que mais me toca, a este alfobre que é o meu país, que é Portugal; a este mísero torrão enfermo que, minado pela corrupção pela incompetência e pela subserviência, vai descendo a passos largos para o posicionamento indesejado de reles tapête de juta onde os energúmenos da Europa irão sacudir o surro dos seus cascos. Manifesto-o com colossal mágoa e intensa revolta figadal, que são o combustível e o comburente que alimentam o desejo de vingança enclausurada nas paredes do impossível! É pena!
Aos ladrões de alto gabarito que permitiram ou empurraram isto tudo para as franjas da míngua, cuja posição nos cortou rente a nossa autonomia, não lhes aconteceu nada. Nem acontecerá por certo.
Estejam eles em França, em Cabo Verde, no hospital, no poder ou em outro lugar qualquer, independentemente das suas mazelas, da sua duração ou do seu estatuto social, deviam ser levados ao “Sinédrio” para serem aquilatados e sentenciados, despojando-os, se necessário fosse, das suas benesses terrenas. Pelo sim e pelo não, sempre é melhor pagarem cá, do que passarem cheques em branco para serem cobrados no outro mundo.
Apesar de sabermos onde estão alguns dos algozes do epidémico morticínio da nossa sobrevivência, não vimos as suas contas bancárias congeladas, os seus patrimónios confiscados, ou a sua existência confinada a um “quarto” privado numa qualquer penitenciária existente neste território, lamentavelmente sem fronteiras, mas mais ou menos geograficamente demarcado; é como uma choupana sem privacidade, com as portas escancaradas, onde qualquer um pode mictar com salientado desdém.
Sabemos que não foram somente esses srs. (com “s” minúsculo) que contribuíram para a hecatombe que há muito, muito tempo, como lava vulcânica, se tem vindo a avolumar e que dia para dia nos estrangula o já débil arfar do diafragma peitoral da nossa economia.
Sim, não é só isto… há muita trampa pelo meio que só não é apontada por aqueles a quem a Natureza que não contemplou com o dedo indicador da análise consensual; os tolos, os burros, os fanáticos, os mentecaptos, os corruptos, os interesseiros, os imbecis, os patifes, os traidores e outros que sofrem de maleitas perniciosas e auto-imunes.
Nem precisaremos ir mais longe: é natural e lícito que as pessoas tenham o direito de manifestar o seu descontentamento, a sua indignação e até a sua fúria, desde que não sejam selvagens, para descomprimir o seu estado de espírito em face de qualquer situação menos moralista que lhes tenha acarretado danos e pela qual se debatem a reivindicar. Contudo, apraz-me perguntar: são as greves quem vêm solucionar o problema? São estas o antídoto para infortúnio? Ou são elas a figura do abafador* “criterioso” que com as manápulas retesadas ajuda a sufocar o já franzino fôlego a nossa economia? Creio ser este último ponto, um a ponderar antes de serem realizadas.
Existem outras formas mais democráticas de ostentar a indignação de quem a sente, sem ser necessário paralisar os movimentos das pessoas que desejam deslocar-se para onde e para o que quer que seja. Que cada um faça as greves que quiser, é um direito que lhe assiste; contudo, não devem privar os outros de executar as tarefas a que se comprometeram, quando não, a democracia é posta em risco.
E já agora, que me deparo no contexto das greves, os fazedores de greves por certo já repararam que paralisam um país se o desejarem, porém, talvez nunca se lhes tenha assomado à cabeça que quando as empresas colapsam quem fica no desemprego são eles, porque os maiorais nunca atingem o limite da miséria. Continuam as suas vidas faustosas, se não cá, noutro lado qualquer e sempre a olhar por cima da burra a observar o padecimento em que os camelos se deixaram enfiar.
Toda esta lengalenga pode ser polémica, sem contudo deixar de assentar na realidade.



António Figueiredo e Silva
Coimbra


*Figura característica e sinistra, do
Nordeste Transmontano, a quem era
confiado o apertar das goelas ao
enfermo que supostamente estava
agonizando com a morte. Era, ao
que se supõe, para lhe abreviar o sofrimento.

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