“UMA
ENXURRADA DE SORTE”
(Realidades
de Vila Verde)
Nos
invernos frios e chuvosos, quando os *cavaleiros apareciam a roçar o cume frio
da serra da Padrela, já todos adivinhavam que viria com toda a certeza uma
zerbada (chuvada forte) agressiva e implacável.
Quando a adivinhação se transvertia em
realidade, era o fim do mundo! Uns arrebunhavam (arranhavam) a piolheira,
tementes ao Divino, e outros metiam-se por abaixo da cama “borrados de mêdo”
para não serem atingidos por algum um raio desvairado.
Apareciam
de repente aquelas correntezas de pedras, lama e outros detritos, vindas das
encostas da serra por ali abaixo, enquanto fortes estrelincos (relâmpagos)
atemorizavam o povo que, suportado pela sua fé, rogava a “Santa Bárbara Bendita”…
que naquele instante de aflição os livrasse das toeiras (estampidos, trovoadas).
Eram momentos terríveis quando a
Natureza ralhava com toda a sua fúria, porque as pessoas só “cometiam pecados”
e esta era uma das formas que Deus encontrava para as meter na linha dura do
credo.
Estes “castigos” aquosos e lamacentos
vindos de Pêto de Lagarelhos, Escariz, Seixo e Loivos, juntavam-se num terrível
caudal que ia engrossando à medida que descia pela encosta abaixo e
descarregava a sua fúria nas olgas que compreendem as margens da ribeira de Oura,
que actualmente não passa de uma pequena lágrima dessas colossais e apavorantes
torrentes; em tempos passados, o seu caudal chegava a ser tão grande que alagava
todos aqueles campos que marginavam a ribeira e que se estendiam desde Loivos a
Vidago, passando nas zonas da Salgadela, Ribeira e Poileira em Vila Verde;
segundo relatos antigos algumas vezes as águas chegavam ao caminho entre Vila
Verde e Oura, tornando-o dificilmente transitável.
Naquele tempo era grande o misticismo
que habitava nas cabeças das pessoas e não conseguiam compreender os fenómenos
naturais inerentes às circunstâncias climáticas atinentes à reposição do estado
da harmonia da matéria.
Aconteceu num dia trevoso desses, quando,
enxurradas medonhas e repentinas, começaram a inundar e a arrastar tudo o que
se lhes deparava pela frente, que um moleiro, estava a tratar da moagem do grão
num moinho, ali para os lados da Salgadela, ao aperceber-se do perigo iminente
de ser arrastado e correr o risco de morrer afogado, trepou por um amieiro e
por lá ficou, ao que chegou até mim, durante muitas horas, até que a inundação amainasse.
Devia ter sido um susto!? Mas Deus não só “castiga”; quando lhe dá na veneta
também põe a mão por baixo – como foi o caso.
Este acontecimento foi notícia
jornalística na altura e até deu direito a entrevista.
Isto aconteceu com um Sr. conhecido ali
na terra por Manel Miúdo (por ser de
baixa estatura), que veio a ser no afinal, o pai do Sr., António Ferreira, mais
carinhosamente conhecido por Ti António
Moleiro, e que, apesar da sua provecta idade, ainda está vivo e risonho
como sempre foi seu apanágio - que viva muitos mais anos é meu desejo.
Pessoa de boa índole, por quem tenho
bastante consideração e mantenho prezada amizade.
Quando por vezes passava por lá buscar
alguma farinha de milho para fazer papas, de que tanto gosto, servia-me sempre
daquilo que em Vila Verde chamam de “o beijinho da farinha”.
Não me esqueço!
António Figueiredo e Silva.
Coimbra, 08/10/2017
www.antoniofsilva.blogspot.com.
*Amontoados
de nuvens baixas, na gíria da terra.
Sem comentários:
Enviar um comentário